Outro pensar o Brasil é possível
Antonio Bispo dos Santos (1959-2023) |
O recente falecimento de Antonio Bispo dos Santos, mais conhecido como Nego Bispo, me fez questionar sobre a ausência de pensadores quilombolas, indígenas e operários nas ementas da disciplina de "pensamento social brasileiro", lecionada na graduação e pós-graduação em Ciências Sociais no Brasil.
Esta disciplina acadêmica multiplicaria os entendimentos possíveis sobre o país se incorporasse de maneira sistemática autores como Davi Kopenawa, Ailton Krenak, o mencionado Nego Bispo, além de operários tais como Edgard Leuenroth e Florentino de Carvalho. Pensadores diversos étnico e culturalmente, mas cujas trajetórias foram marcadas pela subalternização no contexto político brasileiro.
Davi Kopenawa Ianomami (1956-) |
Passei, então, a questionar: pode o subalterno interpretar o Brasil? Porém, conclui ser esta uma pergunta inapropriada, pois, de fato, ele já o interpretara.
A produção das ausências indígena, quilombola e operária nesta disciplina acadêmica, não diz respeito a falta de registro escrito dessas outras interpretações do Brasil, que se encontram publicadas e disponíveis em livrarias e bibliotecas, inclusive universitárias.
Edgard Leuenroth (1881-1968) |
Esta ausência tem haver com o próprio funcionamento do campo acadêmico da sociologia da cultura. Regras implícitas de inclusão e exclusão de pensadores, estruturaram um cânone de autores, e este se tornou um parâmetro de quem pode ser elegível a categoria de intérprete do Brasil. A publicação de livros, artigos, teses e dissertações, assim como a realização de eventos acadêmicos sobre esses autores operam como mecanismos que contribuem para legitimar aquele cânone e garatir algumas das condições de sua reprodução no campo acadêmico.
A operação conjunta dessas regras de inclusão/exclusão e dos mecanismos de valorização e reprodução tornaram legitimável um modo de pensar o Brasil, aquele operado por sujeitos classificados como "intelectuais" pelos agentes que configuram o campo da sociologia da cultura.
Ailton Krenak (1953-) |
Isso resultou, ao menos, numa dupla redução: a do pensamento social brasileiro a um tópico da sociologia dos intelectuais e a segunda redução é a do intérprete do Brasil ao intelectual, no sentido daquele cujo o estatuto social não deriva de um trabalho manual ou do pertencimento à um povo tradicional.
Como consequência, aquele que interpretou o Brasil, mas está aquém da classificação usualmente utilizada de intérprete como intelectual, não reune às condições para ser classificável como alguém que pensa o país.
Florentino de Carvalho (1883-1947) |
Outro pensar o Brasil já está sendo e, de todo o modo, já o foi. O que não aconteceu, ainda, foi a transformação em questão sociológica da interpretação do Brasil realizada por sujeitos (auto)identificados como indígenas, quilombolas e operários
Como essa interpretação já existe, não cabe questionar se pode o subalterno falar. O que resta, então, é fazer a pergunta apropriada: pode o pesquisador do pensamento social brasileiro ouvir a interpretação do subalterno?
Raphael Cruz
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