Dicionário

A

AÇÃO SOCIAL

Ação social e organização social

Do ponto de vista da interação simbólica, a organização social é uma estrutura dentro da qual unidades atuantes desenvolvem suas ações. Aspectos estruturais tais como "cultura", "sistemas sociais", "estratificação social", ou "papéis sociais" estabelecem condições para a ação, mas não determinam essa ação. (BLUMER, Herbert. 1962. "Society as symbolic interaction". In: A. M. Rose (org.), Human behavior and social processes Boston: Houghton Mifflin).

AMBIENTE CONSTRUÍDO

Os edifícios, estradas e outras estruturas feitas por pessoas e nas quais elas vivem, trabalham ou viajam (COLLIN, Peter. Dictionary of environment and ecology. Londres: Bloomsbury, 2004. p. 28).

AMBIENTE NATURAL

A parte da Terra que não foi construída ou formada por seres humanos. Igual ao habitat natural, uma área de terra ou água onde a maioria das espécies são nativas e tem havido muito pouca atividade humana (COLLIN, Peter. Dictionary of environment and ecology. Londres: Bloomsbury, 2004. p. 148).

ANARQUIA

Anarquia em Mikhail Bakunin

(...) A anarquia, quer dizer, a organização livre e autônoma de todas as unidades ou partes separadas que compõem as comunas e sua livre federação, fundada de baixo para cima, não pela injunção de qualquer autoridade que seja, mesmo eleita, nem tão pouco pelas formulações de uma sábia teoria, qualquer que seja ela, mas em consequência do desenvolvimento natural das necessidades de todos os tipos, que a própria vida fizer aparecer. (BAKUNIN, Mikhail. Estatismo e anarquia. São Paulo: Imaginário/Nu-Sol/Ícone, 2003, p. 237).

(...) A anarquia, isto é, a livre organização das massas operárias, de baixo para cima (...). (BAKUNIN, Mikhail. Estatismo e anarquia. São Paulo: Imaginário/Nu-Sol/Ícone, 2003, p. 214.).

Anarquia em Proudhon

Anarquia, ausência de mestre, de soberano, tal é a forma de governo de que todos os dias nos aproximamos. (Pierre-Joseph Proudhon. O que é a propriedade? Lisboa: Editorial Estampa, 1975.p. 239).

ANARCOSSINDICALISMO

Origem do termo anarcossidicalista

Foi a partir desta época, por volta de 1922-1923, que o termo “anarcossindicalista” começou a se espalhar nas fileiras da minoria sindicalista revolucionária da CGTU. O termo foi inventado antes da guerra pelos Guesdistas para desacreditar o sindicalismo revolucionário. Depois da guerra, os comunistas, por sua vez, usaram-no para fins polémicos contra os seus adversários. A minoria da CGTU, quase reduzida à sua componente libertária, acaba por se apropriar deste rótulo supostamente infame. O termo, por outro lado, não foi usado oficialmente até 1937, quando Pierre Besnard elevou-o ao status de doutrina por direito próprio. 

Neste mesmo congresso [AIT, Espanha, 1937], Besnard apresentou um relatório que, pela primeira vez, elevou oficialmente o anarco-sindicalismo à categoria de doutrina. Neste texto, intitulado “Anarco-sindicalismo e anarquismo. Táticas e intervenção sindical”, explicou que o anarco-sindicalismo tirou “a sua doutrina do anarquismo e a sua forma de organização do sindicalismo revolucionário”. (Maitron, Jean; Devranche Guillaume. Bernard, Eugene Pierre. Le Maitron. Disponível em: https://maitron.fr/spip.php?article157323. Acesso em: 10 fev. 2024.).

AUTOCRACIA BURGUESA

O que entrava em questão era, portanto, o problema da autocracia (embora dissimulado sob a aparência ambígua da “democracia forte”). Só assim ela podia deter os processos incipientes ou adiantados de desagregação da ordem, passando de uma ordem burguesa “frouxa” para uma ordem burguesa “firme”. Aí, o elemento político desenhava-se como fundamento do econômico e do social, pois a solução do dilema implicava, inevitavelmente, transformações políticas que transcendiam (e se opunham) aos padrões estabelecidos institucionalmente de organização da economia, da sociedade e do Estado. As “aparências da ordem” teriam de ruir, para que se iniciasse outro processo, pelo qual a dominação burguesa e o poder burguês assumiriam sua verdadeira identidade, consagrando-se em nome do controle absoluto das relações de produção, das superestruturas correspondentes e do aparato ideológico. (FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 333. Grifos do autor.)

Autocracia e revolução burguesa no Brasil

(...) a Revolução Burguesa combina – nem poderia deixar de fazê-lo - transformação capitalista e dominação burguesa. Todavia, essa combinação se processa em condições econômicas e histórico-sociais específicas, que excluem qualquer probabilidade de “repetição da história” ou de “desencadeamento automático” dos pré-requisitos do referido modelo democrático-burguês. Ao revés, o que se concretiza, embora com intensidade variável, é uma forte dissociação pragmática entre desenvolvimento capitalista e democracia; ou, usando-se uma notação sociológica positiva: uma associação racional entre desenvolvimento capitalista e autocracia (FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar Editores, Segunda Edição, 1976. p. 292).

***

C

CATEGORIA

O mundo não tem nenhuma obrigação de corresponder às categorias por meio das quais é pensado – ainda que, como disse Durkheim, só possa existir para as pessoas  da maneira como é pensado. (SAHLINS, Marshall. Experiência individual e ordem cultural. In: Cultura na prática. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004, p. 316).

CAPITALISMO

Capitalismo como realidade sociocultural

O capitalismo não é apenas uma realidade econômica. Ele é também, e acima de tudo, uma complexa realidade sociocultural, em cuja formação e evolução histórica concorreram vários fatores extra-econômicos (do direito e do Estado nacional à filosofia, à religião, à ciência e à tecnologia). (FERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1968).

Capitalismo como oposição à socialização

O capital assume, realmente, o poder da sociedade a partir do século XVI - não como uma excrescência da sociedade feudal, mas como uma força que se opõe à alternativa libertadora socializante das massas populares. (Kostas Vergopoulos. Capitalismo disforme. In: Samir Amin; Kostas Vergopoulos. A questão agrária e o capitalismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 45-46).

Capitalismo como versão da escravidão

Podemos argumentar que o capitalismo moderno é na verdade uma versão renovada da escravidão. Não precisamos mais de um grupo de pessoas que vendem ou alugam outros seres humanos, nós mesmos nos vendemos. (David Graeber. Fragmentos de antropologia anarquista, 2004).

Capitalismo e democracia

É absolutamente ridículo atribuir ao atual capitalismo em seu apogeu, uma afinidade eletiva com a "democracia" ou mesmo com a "liberdade", ao passo que a única questão que se coloca é como, sob sua dominação, todas essas coisas serão "possíveis" com o passar do tempo. (Max Weber, À propos de la situation de la democratie bourgeosie en Russie, 1996).

Capitalismo e fabricação da classe trabalhadora

É contra os camponeses revoltados, os vagabundos, mendigos, preguiçosos, loucos, garotos, prostitutas, delinquentes e salteadores; em resumo, contra um "exército de decaidos" da sociedade feudal, que o poder do capital afirma-se inicialmente. Trata-se de montar com todas as peças e fabricar, a todo custo, uma classe trabalhadora a partir dos elementos deste exército de decaídos. (Kostas Vergopoulos. Capitalismo disforme. In: Samir Amin; Kostas Vergopoulos. A questão agrária e o capitalismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 46.).

Capitalismo e fatores extra-econômicos

O modo de produção só se apresenta como tal porque pressupõe, embora dissimuladamente, toda uma série de atividades extra-econômicas (ideologia, Estado, tribunais, exército, polícia, instituições, sindicatos, etc.). (Kostas Vergopoulos. Capitalismo disforme. In: Samir Amin; Kostas Vergopoulos. A questão agrária e o capitalismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 46.).

Capitalismo e guerra contra a imaginação

Desde o colapso financeiro de 2008, fomos deixados na situação bizarra em que é evidente para todos que o capitalismo não funciona, mas é quase impossível para qualquer um imaginar outra coisa. A guerra contra a imaginação é a única que os capitalistas realmente conseguiram vencer. (David Graeber, Contra o capitalismo kamikaze, 2011).

Capitalismo e questão agrária

É pela terra que começou a exploração do homem; é na terra que ela lançou seus sólidos alicerces. A terra ainda é a fortaleza do capitalismo moderno, como foi a cidadela do feudalismo e do antigo patrício. É a terra, enfim, que devolve à autoridade, ao princípio governamental, uma força sempre nova (...). (Pierre-Joseph Proudhon. Idée générale de la Révolution au dix-neuvième siècle. Disponível: fr.theanarchistlibrary.org).

A questão agrária sempre esteve no centro da função social que cumpre América Latina e Caribe na dinâmica geral de produção e reprodução do capital. (Traspadini, Roberta. 2018. Questão agrária e América Latina: breves aportes para um debate urgente. Rev. Direito e Práxis).

Capitalismo e natureza

(...) O capitalismo produziu uma nova contradição, talvez a mais importante: o choque entre uma economia baseada no crescimento sem fim e o esgotamento do ambiente natural. Essa questão e suas vastas ramificações não podem mais ser minimizadas, muito menos descartadas (...). (...) Considero essa contradição mais fundamental do que a tendência (...) de declínio da taxa de lucro e, portanto, de tornar inoperante a troca capitalista - uma contradição à qual os marxistas atribuíram um papel decisivo no século XIX e no início do século XX. (Murray Bookchin.  The communalist project. In: Murray Bookchin, The social ecology and communalism. New Compass, 2006).

CERCAMENTO

De acordo com a tradição marxista, os cercamentos foram o ponto de partida da sociedade capitalista. Eram o dispositivo básico da "acumulação primitiva", que criou uma população de trabalhadores "livres" de qualquer meio de reprodução e, portanto, obrigados (em dado tempo) a trabalhar em troca de salário. Os cercamentos, entretanto, não são um processo antigo extinto no alvorecer do capitalismo; são uma recorrência regular no caminho da acumulação capitalista e um componente estrutural da luta de classes. (Silvia Federici. Reencantando o mundo: feminismo e a política dos comuns. São Paulo: Elefante, 2022. p. 62).

CIÊNCIA

Ciência em Proudhon

À força de se instruir e adquirir ideias o homem acaba per descobrir a ideia da ciência, quer dizer, a ideia de um sistema de conhecimento conforme à realidade das coisas e deduzida da observação. (Pierre-Joseph Proudhon. O que é a propriedade? Lisboa: Editorial Estampa, 1975. p. 238).

Ciência em Roy Bhaskar

De acordo com a distinção operada por Bhaskar, a realidade deve ser concebida como estratificada, e a ciência deve ser encarada como "uma atividade humana que visa descobrir, através de uma mistura de experimentação e razão teórica, as entidades, estruturas e mecanismos (visíveis ou invisíveis) que existem e operam no mundo. (Roy Bhaskar citado por HAMLIN, Cynthia Lins. Realismo crítico: um programa de pesquisa para as Ciências Sociais. Dados, Rio de Janeiro, v. 43, n. 2, 2000. s/p).

Ciência social

É o que Proudhon entende por ciência social, ciência que seria ao mesmo tempo teórica e prática, conhecimento racional das leis sócio-econômicas e meio de instaurar o socialismo científico. (Ansart, Pierre. Ideologias, conflitos e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1978).

Ciência social e proletariado

O problema do proletariado é a constituição da ciência social. (PROUDHON, Pierre-Joseph. Sistema das contradições econômicas, Tomo II. São Paulo: Ícone, 2019. p. 435).

Ciência e vida

Portanto é necessário reconhecer também os limites da ciência e lembrar que ela não é o todo, que não é mais que uma parte e que o todo é a vida. (...) Tudo isto é infinitamente mais amplo, mais extenso, mais profundo e mais rico que a ciência, e não será nunca esgotado por ela. (Mikhail Bakunin, Considerações Filosóficas, 1870).

Finalidade da ciência

A ciência tem por fim afastar, cada vez mais, a fronteira do desconhecido. Em outras palavras, a ciência trata de transformar a nossa familiaridade com coisas em conhecimento a respeito dessas coisas. (Donald Pierson, Teoria e pesquisa em sociologia. São Paulo: Melhoramentos, 1981).

CLASSE SOCIAL

Classe social em E.P. Thompson

“(..) classe entende-se como um fenômeno histórico unificando um número de eventos aparentemente desconexos, tanto na matéria bruta da experiência como na consciência. Enfatize-se que este é um fenômeno histórico. Não vejo a classe como uma “estrutura”, nem mesmo como uma “categoria”, mas como algo que acontece na realidade (e que pode ser mostrado como aconteceu de facto) das relações humanas”. (THOMPSON, Edward Palmer. The formation of the English working class. Londres: Penguin, 1991. p. 8).

Classe social e experiência em E.P. Thompson

(...) nem é perdoável em um marxista [a recusa epistemológica da experiência], posto que a experiência é um termo intermediário necessário entre o ser social e a consciência social: é a experiência (muitas vezes a experiência de classe) que dá uma coloração à cultura, aos valores, e ao pensamento; é por meio da experiência que o modo de produção exerce uma pressão determinante sobre outras atividades. (...) As classes surgem porque homens e mulheres, em determinadas relações de produção, identificam seus interesses antagônicos e vêm a lutar, pensar e valorar de maneira classista; assim, o processo de formação de classe é um processo de autoconstrução, embora sob condições que são dadas. (THOMPSON, 1978, p. 98; 106-107, citado por SCOTT, James. Exploração normal, resistência normal. Rev. Bras. Ciênc. Polít., 2011 (5). Available from: https://doi.org/10.1590/S0103-33522011000100009. pp.234-235).

Classe social e experiência em James Scott

De que outra forma pode um modo de produção afetar a natureza das relações de classe, a não ser mediado pela experiência e interpretação humanas? Somente captando essa experiência em algo que se aproxime de sua plenitude seremos capazes de dizer qualquer coisa significativa sobre como um dado sistema econômico influencia os que o constituem, mantém ou superam. E, naturalmente, se isso é verdadeiro para o campesinato ou o proletariado, é certamente verdadeiro para a burguesia, a pequena burguesia e mesmo o lumpemproletariado. Excluir a experiência dos agentes humanos da análise das relações de classe é fazer a teoria engolir seu próprio rabo. (SCOTT, James. Exploração normal, resistência normal. Rev. Bras. Ciênc. Polít., 2011 (5). Available from: https://doi.org/10.1590/S0103-33522011000100009. pp.234-235).

Classe social e campesinato em Theodor Shanin

Saber cuando este modo de vida [que son los campesinos] puede dar origen a una clase - escribe Teodor Shanin -, es una cuestión que depende de las condiciones históricas. Podemos responder a eso si analizamos las circunstancias y verificamos que ellos luchan o no luchan por sus intereses, entonces sabremos si son una clase o no. Pero en todos los casos, cuando lucha y cuando no lucha, el campesinado es un modo de vida, y eso es esencial para comprender su naturaleza. (BARTRA, Armando Bartra. (2008). Campesindios: aproximaciones a los campesinos de un continente colonizado. Boletín de Antropología Americana, (44), 5–24. doi:10.2307/41426470.

O problema para as classes trabalhadoras

O problema pois consiste, para as classes trabalhadoras, não em conquistar, mas sim em vencer ao mesmo tempo o poder e o monopólio, o que significa fazer surgir das entranhas do povo, das profundezas do trabalho uma autoridade maior, um fato mais poderoso, que envolva o capital e o Estado e que os subjugue. (Proudhon, Sistema das contradições econômicas, ou, Filosofia da miséria, Tomo 1. São Paulo, Ícone, 2003. p. 434).

COMUM

(...) O comum é imediatamente contrário ao privado, entendido como aquilo de que se apropria algum em detrimento do que é possuído por vários. Aqui vale a pena destacar o fato de nós entendermos o comum não como aquilo que é “de nenhum e de todos”, o que indica, antes, traços associados à compreensão contemporânea de “público”. O comum, ao contrário, é o que é possuído – ou compartilhado – coletivamente por vários. E esses “vários” que compõem o grupo específico possuidor podem ser multiformes e extremamente heterogêneos, mas em qualquer caso eles têm em comum, enquanto co-participantes de uma qualidade ou circunstância, o fato de se encontrarem espacialmente e temporalmente situados. Ou seja, os homens e as mulheres que compartilham o comum compõem coletividades particulares e específicas que estabelecem, também, normas específicas para usufruírem dele e para transmitirem tais direitos às gerações subsequentes.

É esse o nó da abertura conceitual na qual eu estou engajada: desligar a compreensão do comum do lastro da propriedade – especificamente, os significados de propriedade sob sua compreensão moderna, isto é, como propriedade privada, que são regulamentados nas leis civis, nos diversos e muito semelhantes códigos civis nacionais – possibilita estar aberto a pensar o comum não apenas como algo dado e que é compartilhado, mas, acima de tudo, como algo que está sendo produzido, reproduzido e reatualizado de maneira contínua e constante.

O comum, sob essa perspectiva, deixa de ser um objeto ou coisa sob o domínio de alguns para ser entendido como ação coletiva de produção, apropriação e reapropriação do que há e do que é feito, do que existe e do que é criado, do que é oferecido e gerado pela própria Pachamama e, também, do que a partir disso foi produzido, construído e alcançado pela articulação e esforço comum de homens e mulheres situados historicamente e geograficamente. Daí a pertinência da pesquisa sobre a produção do comum, suas lógicas associativas e suas dinâmicas internas, como questão fundamental e cujos horizontes políticos não estão focados no que é estatal – portanto, público e universal. (AGUILAR, Raquel Gutiérrez. Politica no feminino: transformações e subversões não centradas no Estado. Revista Ideação, v. 1, n. 39, p. 223-242, 2019. p. 232-233).

CONTRAPODER

En un discurso típicamente revolucionario, un "contrapoder" es una colección de instituciones sociales opuestas al Estado y al capital: desde comunidades autónomas a sindicatos radicales o milicias populares. A veces también se conoce como "antipoder". Cuando estas instituciones se erigen cara a cara contra el Estado, se suele hablar de una situación de "poder dual". Según esta definición, en realidad la mayor parte de la historia de la humanidad se caracterizaría por situaciones de poder dual, ya que muy pocos Estados han tenido los medios para eliminar dichas instituciones, por mucho que lo deseasen. Pero las teorías de Mauss y Clastres proponen algo mucho más radical: que el contrapoder, al menos en su sentido más elemental, existe incluso en las sociedades donde no hay ni Estado ni mercado y que, en dichos casos, no se halla encarnado en instituciones populares que se posicionan contra el poder de los nobles, los reyes o los plutócratas, sino en instituciones cuyo fin es garantizar que jamás puedan existir esos tipos de personas. El "contra" se erige pues frente a un aspecto latente, potencial o, si se prefiere, una posibilidad dialéctica inherente a la propia sociedade (Graeber, David. Fragmentos de antropología anarquista y otros textos. 2ª ed. México D. F.: Ediciones la social, 2015. p. 56). Ver Poder popular.

COSMOGRAFIA

No intuito de entender a relação particular que um grupo social mantém com seu respectivo território, utilizo o conceito de cosmografia (Little 2001), definido como os saberes ambientais, ideologias e identidades − coletivamente criados e historicamente situados − que um grupo social utiliza para estabelecer e manter seu território. A cosmografia de um grupo inclui seu regime de propriedade, os vínculos afetivos que mantém com seu território específico, a história da sua ocupação guardada na memória coletiva, o uso social que dá ao território e as formas de defesa dele. (LITTLE, Paul. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil: por uma antropologia da territorialidade. Anuário Antropológico/2002-2003. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004, pp. 251-290.)

CRISE ECOLÓGICA

A essência da crise ecológica do nosso tempo é que esta sociedade - mais do que qualquer outra no passado - está a desfazer literalmente o trabalho da evolução orgânica. É um axioma dizer que a humanidade faz parte do tecido da vida. É talvez mais importante, nesta fase tardia, sublinhar que a humanidade depende perigosamente da complexidade e variedade da vida, e que o bem-estar e a sobrevivência humanas assentam sobre uma longa evolução de organismos em formas crescentemente complexas e interdependentes. O desenvolvimento da vida num tecido complexo, a criação dos animais e plantas primordiais em formas altamente variadas, tem sido a condiçãso prévia para a evolução e sobrevivência da própria humanidade e para uma relação harmônica entre a humanidade e a natureza. (BOOKCHIN, Murray. Toward an ecological society. Montreal: Black Rose Books, 1980. p. 36)

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E

ECOLOGIA CULTURAL

Ele [Julian Steward em Theory of culture change] procede do conceito de "ecologia cultural", que se refere aos "processos adaptativos pelos quais a (...) sociedade e um número imprevisível de características da cultura são afetados pelo ajuste básico por meio do qual o homem utiliza um determinado ambiente". Em qualquer cultura, portanto, é "a constelação de características que estão mais intimamente relacionadas às atividades de subsistência e aos arranjos econômicos" que merece atenção primária como o "núcleo cultural". Faz parte do problema da "ecologia cultural" avaliar (...) os padrões culturais (...) permitidos pelos arranjos produtivos. (HELM, June. The ecological approach in anthropology. American Journal of Sociology, vol. 67, no. 6, 1962, pp. 630–39).

ECOLOGIA HUMANA

A ecologia humana, uma das mais recentes novidades no cenário das ciências sociais, tomou emprestada sua estrutura conceitual e seus métodos da ecologia vegetal e animal. O malthusianismo, o darwinismo, o movimento de pesquisa social e a geografia humana estão entre os precursores da ecologia humana, que recebeu sua primeira formulação sistemática por Park e outros por volta de 1915. Ela busca a descrição e a análise objetivas das bases espaciais, temporais, físicas e tecnológicas da vida social. A capacidade de comunicação simbólica, a racionalidade, a mobilidade relativamente grande, a organização e o controle formais e a posse de uma tecnologia e cultura distinguem os seres humanos das plantas e dos animais; o reconhecimento dessas diferenças faz da ecologia humana uma disciplina única das ciências sociais. Ela se preocupa com estruturas e fenômenos sociais localizados ou territorialmente delimitados, sendo a comunidade o conceito central. A definição de áreas naturais, diferenciadas das administrativas, e de regiões tem sido uma de suas principais contribuições teóricas e práticas. A descoberta dos padrões nos quais os fenômenos sociais se agrupam e da coincidência dos padrões teve implicações importantes para o controle e o planejamento social. Os fatos ecológicos, por não serem autoexplicativos, devem ser compreendidos à luz dos fenômenos socioculturais e psíquicos. (WIRTH, Louis. Human ecology. American Journal of Sociology, v. 50, n. 6, 1945).

ECOLOGIA POLÍTICA

Blaikie e Brookfeld (1987) definiram o campo desse modo: “A expressão ‘ecologia política’ combina as preocupações da ecologia com uma economia política definida de forma ampla. Ao mesmo tempo, isto abarca a constante alteração dialética entre sociedade e recursos e também entre classes e grupos no interior da própria sociedade” (WALKER, Peter A. Ecologia política: onde está a ecologia? Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 23, p. 83-93, jan./jun. 2011. Editora UFPR. p. 85).

Os trabalhos orientados pela Ecologia Política têm tratado de quatro temas principais: (1) a ideia de que a utilização dos recursos naturais é organizada por relações sociais que pressionam o meio ambiente; (2) o reconhecimento da pluralidade de posições, interesses e racionalidades sobre o ambiente, de modo que o lucro de uma pessoa pode representar a pobreza de outra; (3) a ideia de uma conexão global por meio da qual os processos políticos e econômicos externos estruturem e sejam influenciados pelas questões locais; e (4) a defesa de que a degradação da terra é um resultado e uma causa da exclusão social (GEZON e PAULSON, 2004) (MIRANDA, Roberto de Sousa. Ecologia política e processos de territorialização. Revista Sociedade e Estado - Volume 28 Número 1 - Janeiro/Abril 2013. p. 143).

ECOLOGIA SOCIAL

O que literalmente define a ecologia social como "social" é seu reconhecimento do fato, muitas vezes ignorado, de que quase todos os nossos problemas ecológicos atuais surgem de problemas sociais profundamente enraizados. Por outro lado, os problemas ecológicos atuais não podem ser claramente compreendidos, muito menos resolvidos, sem lidar resolutamente com os problemas da sociedade. (BOOKCHIN, Murray. What is social ecology? In: BOOKCHIN, Murray. Social ecology and communalism. Oakland: AK Press, 2006. p. 19).

EPISTEMOLOGIA

Epistemologia bakuniniana

O mundo único é também o único meio de conhecer a destinação de suas leis ou de suas regras, obter a Verdade que é a Ciência; não são a metafísica nem as construções intelectuais abstratas, mas a ciência que funda seus raciocínios sobre a experiência, que utiliza tanto o método dedutivo como o método indutivo, e que verifica incessantemente suas hipóteses por meio de uma observação e de uma análise dos fatos os mais rigorosos. (BAKUNIN, Mikhail. A ciência e o povo. In: BAKUNIN, Mikhail. Educação, ciência e revolução. São Paulo: Intermezzo, 2015. p. 92).

ESTADO

Estado e sistema estatista em Mikhail Bakunin

[Estado e sistema estatista como] (...) todo sistema, que consiste em governar a sociedade de cima para baixo em nome de um pretenso direito teológico ou metafísico, divino ou científico. (BAKUNIN, Mikhail. Estatismo e anarquia. São Paulo: Imaginário/Nu-Sol/Ícone, 2003).

ESTRATÉGIA

A noção de estratégia é o instrumento de uma ruptura com o ponto de vista objetivista e com a ação sem agente que o estruturalismo supõe (recorrendo, por exemplo, à noção de inconsciente). Mas pode-se recusar a ver a estratégia como o produto de um programa inconsciente, sem fazer dela o produto de um cálculo consciente e racional. Ela é produto do senso prático como sentido do jogo, de um jogo social particular, historicamente definido, que se adquire desde a infância, participando das atividades sociais, em particular no caso de Cabília, e outros lugares com certeza, dos jogos infantis. O bom jogador, que é de algum modo o jogo feito homem, faz a todo instante o que deve ser feito, o que o jogo demanda e exige. Isso supõe uma invenção permanente, indispensável para se adaptar às situações indefinidamente variadas, nunca perfeitamente idênticas. O que não garante a obediência mecânica à regra explícita, codificada (quando ela existe). Descrevi, por exemplo, as estratégias de jogo duplo que consistem em “legalizar a situação”, em colocar-se ao lado do direito, em agir de acordo com interesses, mas mantendo as aparências de obediência às regras. O sentido do jogo não é infalível; ele se distribui de maneira desigual, tanto numa sociedade quanto numa equipe. Às vezes, ele falha, especialmente nas situaçôes trágicas, quando então se apela aos sábios, que em Cabília em geral também são poetas, e sabem tomar liberdade com a regra oficial, que permite salvar o essencial daquilo que a regra visava a garantir. Mas essa liberdade de invenção, de improvisação, que permite produzir a inftnidade de lances possibilitados pelo jogo (como no xadrez), tem os mesmos limites do jogo. As estratégias adaptadas quando se trata de jogar o jogo do casamento cabila, no qual a terra e a ameaça de partilha não intervem (devido à indivisão na partilha igual entre os agnatos), não conviriam no caso de se jogar o jogo do casamento beamês, no qual é preciso salvar antes de tudo a casa e a terra. (BOURDIEU, Pierre. Fieldwork in philosophy. In: BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004).

ESTRUTURALISMO GENÉTICO

Nesse sentido, se eu gostasse do jogo dos rótulos, que é muito praticado no campo intelectual desde que certos filósofos introduziram nele as modas e os modelos do campo artístico, eu diria que tento elaborar um estruturalismo genético: a análise das estruturas objetivas – as estruturas dos diferentes campos – é inseparável da análise da gênese, nos indivíduos biológicos, das estruturas mentais (que são em parte produto da incorporação das estruturas sociais) e da análise da gênese das próprias estruturas sociais: o espaço social, bem como os grupos que nele se distribuem, são produto de lutas históricas (nas quais os agentes se comprometem em função de sua posição no espaço social e das estruturas mentais através das quais eles apreendem esse espaço). (BOURDIEU, Pierre. Fieldwork in philosophy. In: BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004).

ETNOGRAFIA

Definição de etnografia

A etnografia consiste na observação e na análise de grupos humanos considerados em sua particularidade e visa à restituição, tão fiel quanto possível, da vida de cada um deles. (LÉVI-STRAUSS, Claude [Antropologia estrutural] apud RUSS, Jacqueline. Dicionário de filosofia. São Paulo: Scipione, 1994. p. 98).

Realizar uma etnografia

Quando você realiza uma etnografia, você observa o que as pessoas fazem, tentando extrair a lógica simbólica, moral ou pragmática que está subjacente às suas ações, você tenta encontrar o significado dos hábitos e ações de um grupo, um sentido do qual o grupo em si muitas vezes não está completamente consciente. (GRAEBER, David. Fragmentos de antropología anarquista y otros textos. 2ª ed. México D. F.: Ediciones la social, 2015. p. 24).

É exatamente isso que a etnografia deve fazer: desvendar a lógica implícita de um modo de vida, juntamente com seus mitos e rituais, a fim de compreender o significado de um conjunto de práticas. (David Graeber. Direct action: an ethnography. Oakland: AK Press, 2009).

(...) Como qualquer etnógrafo, desejo extrair os princípios tácitos subjacentes à ação. Quais são? (David Graeber. Direct action: an ethnography. Oakland: AK Press, 2009).

(...) A melhor tradição da etnografia: uma tentativa de descrever e capturar algo da textura, da riqueza e do significado subjacente de um modo de ser e de fazer que não poderia ser capturado por escrito. (David Graeber. Direct action: an ethnography. Oakland: AK Press, 2009).

Propósito da etnografia

De certa forma, escrever conclusões para uma etnografia é sempre um empreendimento questionável. O objetivo da etnografia é essencialmente descritivo. Uma boa descrição certamente requer um apelo à teoria, mas, na etnografia, a teoria é adequadamente empregada a serviço da descrição, e não o contrário. Se o objetivo da descrição etnográfica é tentar dar ao leitor os meios para transitar de forma imaginativa em um universo moral e social, então parece explorador, quase um insulto, sugerir que outras pessoas vivam suas vidas (...) para permitir que algum acadêmico marque um ponto em algum debate teórico misterioso. E, de qualquer forma, isso é objetivamente falso. (David Graeber. Direct action: an ethnography. Oakland: AK Press, 2009).

Dilema da escrita etnográfica

O dilema habitual da escrita etnográfica: pontos que parecem simples e óbvios para quem passou anos em um determinado universo cultural exigem muita tinta para serem transmitidos a alguém que não o fez. (David Graeber. Direct action: an ethnography. Oakland: AK Press, 2009).

Escrita etnográfica

Por "escrita etnográfica" entendo a escrita que procura descrever os contornos de um universo social e conceitual de uma forma que seja teoricamente informada, mas que não seja, em si mesma, simplesmente projetada para defender um único argumento ou teoria. Houve um tempo em que a descrição detalhada de um sistema político, cerimonial ou de troca na África ou na Amazônia era considerada uma contribuição valiosa para o conhecimento humano em si. (David Graeber. Direct action: an ethnography. Oakland: AK Press, 2009).

Teoria etnográfica

Assim, esboçar uma teoria etnográfica, não é limitar-se a este ou aquele contexto particular, deixando de lado níveis supostamente mais gerais. Uma teoria etnográfica procede um pouco à moda do pensamento selvagem: emprega os elementos muito concretos coletados no trabalho de campo – e por outros meios – a fim de articulá-los em proposições um pouco mais abstratas, capazes de conferir inteligibilidade aos acontecimentos e ao mundo (Marcio Goldman. Alteridade e experiência: antropologia e teoria etnográfica. In: Etnográfica, vol. 10, n. 1, 2006, pp. 159-173).

A palavra na etnografia

A Antropologia desde sempre privilegiou a palavra do outro como fonte de conhecimento. O trabalho de campo empreendido pelo antropólogo é, na maioria das vezes, o método de aceder a estas palavras através de outras palavras, as do antropólogo. Assim, a Antropologia se constrói pelo diálogo, conversa, tradução, citação, interpretação, crítica num incessante cruzamento de universos conceituais. Se as palavras dos outros têm um poder de transformar as nossas palavras e vice versa, é justamente pelo fato de que são engendradas e fabricadas a partir de uma relação entre sujeitos, essência mesma do fazer etnografia. Esta relação entre os conceitos que a Antropologia formula e a etnografia que originalmente os produziu é de tal ordem que muitas das chamadas categorias nativas ganharam estatuto de conceitos e/ou problemáticas da Antropologia. (GONÇALVES, Marco Antônio. Traduzir o outro: etnografia e semelhança. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009, p. 08).

Etnografia e teoria

Toda etnografia tem sua “teoria”, por mais difusa, insípida ou prosaica que ela seja, assim como toda teoria tem sua etnografia (WAGNER, Roy. Habu: the innovation of meaning in Daribi religion. Chicago: The University of Chicago Press, 1972, p. 13).

Etnografia, descrição e teoria

O que faz deste um trabalho etnográfico no sentido clássico do termo é que, como Franz Boas disse certa vez, o geral está a serviço do particular, com exceção, talvez, das reflexões finais. A teoria é amplamente invocada para auxiliar na tarefa final de descrição. Os anarquistas e as campanhas de ação direta não existem para permitir que algum acadêmico apresente um argumento teórico ou prove que a teoria de algum rival está errada (assim como não servem a esse mesmo propósito, os rituais de transe balineses ou as tecnologias de irrigação andinas), e acho odioso sugerir o contrário. (David Graeber. Direct action: an ethnography. Oakland: AK Press, 2009).

Uma descrição etnográfica, mesmo que muito boa, capta no máximo dois por cento do que realmente acontece em uma disputa nuer ou em uma briga de galos em Bali. Uma reflexão teórica geralmente se concentra em apenas uma pequena parte disso, arrancando um ou dois fios de uma rede infinitamente complexa de circunstâncias humanas e usando-os como base para fazer generalizações sobre, por exemplo, a natureza da guerra ou a natureza do ritual. (David Graeber. Direct action: an ethnography. Oakland: AK Press, 2009).

Interpretação etnográfica

A melhor maneira que encontrei para definir a interpretação etnográfica é a analogia clássica de três homens cegos tentando descrever um elefante pelo tato – um segurando a tromba, o outro a cauda e o outro a presa. Diferentes etnógrafos veem as coisas de maneiras diferentes, e os pontos de vista subjetivos contrastantes de cada pesquisador de campo determinam a natureza do retrato etnográfico resultante. Nós, tanto quanto as pessoas que são o nosso objeto de estudo, criamos a realidade dos fenômenos sociais e culturais, pois também nós estamos agindo “culturalmente” ao fazer antropologia. (Weiner, James F. The Heart of the Pearl Shell: The Mythological Dimension of Foi Sociality. Berkeley:  University of California Press, 1988).

Pacto etnográfico

De fato, como conciliar um conhecimento não exotizante do mundo yanomami, uma sociologia do "desenvolvimento" amazônico que o cerca e uma reflexão acerca das implicações de minha presença de ator-observador nessa situação de colonização interna? A partir do caos perturbador dessa nova experiência e através de meus esforços para lhe dar sentido, três imperativos indissociáveis do trabalho etnográfico começaram a se tornar claros. Em primeiro lugar, evidentemente, fazer justiça de modo escrupuloso à imaginação conceitual de meus anfitriões; em seguida, levar em conta com todo o rigor o contexto sociopolítico, local e global, com o qual sua sociedade está confrontada; e manter um olhar crítico sobre o quadro da pesquisa etnográfica em si. (ALBERT, Bruce. Postscriptum. Quando eu é um outro [e vice-versa]. In: KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 520.)

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F

FILOSOFIA MARXISTA

Se há uma coisa que a filosofia marxista deveria impor, é a atenção com a história (e com a historicidade) dos conceitos utilizados para pensar a história. Ora, o aristocratismo filosófico faz com que se esqueça de submeter à crítica histórica conceitos visivelmente marcados pelas circunstâncias históricas de sua produção e de sua utilização (os althusserianos foram mestres no gênero). O marxismo na realidade de seu uso social acaba sendo um pensamento completamente protegido contra a crítica histórica, o que é um paradoxo, dadas as potencialidades e mesmo as exigências que o pensamento de Marx encerrava. Marx forneceu os elementos de uma pragmática sociolingüística, particularmente na Ideologia alemã (fiz referência a isso em minha análise sociológica do estilo e da retórica de Althusser). Essas indicações permaneceram letra morta, porque a tradição marxista sempre deixou muito pouco espaço para a crítica reflexiva. A favor dos marxistas, eu diria que, embora se possam tirar de sua obra os princípios de uma sociologia crítica da sociologia e dos instrumentos teóricos que a sociologia, sobretudo a marxista, utiliza para pensar o mundo social, o próprio Marx nunca utilizou muito a crítica histórica contra o próprio marxismo. (BOURDIEU, Pierre. Fieldwork in philosophy. In: BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004).

FILOSOFIA RACIONAL

A filosofia racional ou ciência universal não procede aristocraticamente, nem autoritariamente como a falecida metafísica. Esta se organiza sempre de cima para baixo, por via de dedução e de síntese, pretendendo também reconhecer a autonomia e a liberdade das ciências particulares, mas na realidade incomodava-as horrivelmente, até o ponto de lhes impor leis e até mesmo fatos que, frequentemente, era impossível encontrar na natureza, e de impedi-las de se entregar a experiências cujos resultados teriam podido reduzir todas as suas especulações ao nada. A metafísica, como se vê, opera segundo o método dos Estados centralizados.

A filosofia racional, ao contrário, é uma ciência democrática. Organiza-se de baixo para cima livremente, e tem por fundamento único a experiência. Nada do que não toi realmente analisado e confirmado pela experiência ou pela mais severa crítica pode ser por ela aceito. Consequentemente, Deus, o Infinito, o Absoluto, todos estes objetos tão amados pela metafísica, estão absolutamente eliminados de seu seio. Ela se desvia com indiferença, observando-as como miragens ou fantasmas. Mas como as miragens e os fantasmas são uma parte essencial do desenvolvimento do espírito humano, visto que o homem só chega habitualmente ao conhecimento da verdade simples depois de ter imaginado, esgotado todas as ilusões possíveis, e como o desenvolvimento do espírito humano é um objeto real da ciência, a filosofia natural lhes assinala seu verdadeiro lugar, ocupando-se dela somente do ponto de vista da história e se esforça em nos mostrar, ao mesmo tempo, as causas tanto fisiológicas quanto históricas que explicam o nascimento, o desenvolvimento e a decadência das ideias religiosas e metafísicas, assim como sua necessidade relativa e transitória nas evoluções do espírito humano. Desta maneira, ela lhes faz justiça, a qual elas têm direito, e, em seguida, desvia-se delas para sempre. (BAKUNIN, Mikhail. Federalismo, socialismo e antiteologismo. Série Biblioteca Anarquista Vol. 2. UNIPA, 2012. p. 33-34).

FILÓSOFO

Filosofar para Proudhon

Que o filósofo, abaixando o seu orgulho, aprenda por seu lado que a razão é a sociedade e que filosofar é trabalhar com suas próprias mãos. (PROUDHON, Pierre-Joseph. Sistema das contradições econômicas, Tomo II. São Paulo: Ícone, 2019. p. 454).

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G

GLOBAL

Global e local em Anthony Giddens

O advento da modernidade arranca crescentemente o espaço do tempo fomentando relações entre outros ‘ausentes’, localmente distantes de qualquer situação dada ou interação face a face. Em condições de modernidade, o lugar se torna cada vez mais fantasmagórico: isto é, os locais são completamente penetrados e moldados em termos de influências sociais bem distantes deles. O que estrutura o local não é simplesmente o que está presente na cena; a ‘forma visível’ do local oculta as relações distanciadas que determinam sua natureza. (Anthony Giddens, As consequências da modernidade, 1991. p. 22).

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H

HORIZONTE COMUNITÁRIO-POPULAR

Entendo por "horizonte comunitário-popular" um amplo – porém às vezes difícil de ser expressado – conjunto de esperanças e práticas de transformação e subversão das relações de dominação e exploração, como o que tem se tornado visível e audível nos Andes e na Mesoamérica, de maneiras diferentes, desde o amanhecer de 1994 e durante as lutas mais intensas da primeira década do século XXI. Essas lutas têm sido protagonizadas, principalmente, pelos diversos povos e movimentos indígenas de nossos países, percorrendo diversos caminhos e alcançando um maior ou menor sucesso em suas aspirações. (AGUILAR, Raquel Gutiérrez. Politica no feminino: transformações e subversões não centradas no Estado. Revista Ideação, v. 1, n. 39, p. 223-242, 2019.)

I

IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA

É uma qualidade que parece prometer mais dramaticamente um entendimento das realidades íntimas de nós mesmos, em ligação com as realidades sociais mais amplas. (MILLS, W. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p. 22).

J

JUSTIÇA AMBIENTAL

A noção de "justiça ambiental" exprime um movimento de ressignificação da questão ambiental. Ela resulta de uma apropriação singular da temática do meio ambiente por dinâmicas sociopolíticas tradicionalmente envolvidas com a construção da justiça social. Esse processo de ressignificação está associado a uma reconstituição das arenas onde se dão os embates sociais pela construção dos futuros possíveis. E nessas arenas, a questão ambiental se mostra cada vez mais central e vista crescentemente como entrelaçada às tradicionais questões sociais do emprego e da renda. (ACSELRAD, Henri. Ambientalização das lutas sociais: o caso do movimento por justiça ambiental. Estud. av., São Paulo , v. 24, n. 68, p. 103-119, 2010. p. 108)

Justiça ambiental é, portanto, uma noção emergente que integra o processo histórico de construção subjetiva da cultura dos direitos. Na experiência recente, essa noção de justiça surgiu da criatividade estratégica dos movimentos sociais que alteraram a configuração de forças sociais envolvidas nas lutas ambientais e, em determinadas circunstâncias, produziram mudanças no aparelho estatal e regulatório responsável pela proteção ambiental. (ACSELRAD, Henri. Ambientalização das lutas sociais: o caso do movimento por justiça ambiental. Estud. av., São Paulo , v. 24, n. 68, p. 103-119, 2010. p. 111).

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L

LÓGICA CONTEMPORÂNEA DE PRODUÇÃO DO COMUM

Entendo como "lógica contemporânea de produção do comum" uma dinâmica associativa particular e específica, isto é, temporal, geográfica e historicamente situada, e que geralmente visa alcançar objetivos específicos quase sempre ligados a assegurar ou proteger as condições para a reprodução coletiva em meio a ameaças drásticas de expropriação ou agravo. Nesse sentido, as lógicas de produção do comum não aludem nem necessariamente nem unicamente apenas às antigas práticas comunitárias dos povos indígenas; elas são, em vez disso, práticas comunitárias cuja geração e conservação, embora enraizadas em tempos distantes e em enérgicas lutas de resistência e de criação da vida, também podem ser entendidas como uma reatualização prática contemporânea, fundada, no entanto, em antigos conjuntos de saberes coletivos internalizados – e reproduzidos – por aqueles que se associam em prol dos propósitos atuais. (AGUILAR, Raquel Gutiérrez. Politica no feminino: transformações e subversões não centradas no Estado. Revista Ideação, v. 1, n. 39, p. 223-242, 2019. p. 231).

M

MEIO AMBIENTE

O meio ambiente de qualquer organismo, inclui o mundo físico e outros organismos. (...) O ambiente é qualquer coisa fora de um organismo no qual o organismo vive. Pode ser uma região geográfica, uma condição climática, um poluente ou os ruídos que circundam um organismo. O ambiente humano inclui o país, a região, a cidade, a casa ou o quarto em que a pessoa vive. O ambiente de um parasita inclui o corpo do hospedeiro. O ambiente de uma planta inclui o tipo de solo em uma altitude específica. (COLLIN, Peter. Dictionary of environment and ecology. Londres: Bloomsbury, 2004).

MÉTODO

Método em Bakunin

Ora, quem parte da ideia abstrata nunca chegará à vida, pois da metafísica à vida não existe caminho. Um abismo as separa. E saltar por cima deste abismo é executar o salto mortale, ou o que o próprio Hegel chamava, salto qualitativo (qualitativer Sprung) do mundo lógico ao mundo natural; ninguém até agora conseguiu realizá-lo, e nunca conseguirá. Quem se apoia na abstração, nela encontrará a morte.

A maneira viva, concretamente racional de avançar, no domínio da ciência, é ir do fato real à ideia que o abarca, o exprime e, por isto mesmo, o explica; e, no domínio prático, ir da vida social à maneira mais racional de organizá-la, de acordo com as indicações, condições, necessidades e exigências mais ou menos aproximadas da própria vida. (BAKUNIN, Mikhail. Estatismo e anarquia. São Paulo: Imaginário/Nu-Sol, Ícone, 2003, p. 165).

A ciência mais racional e mais profunda não pode adivinhar as formas que a vida social assumirá no futuro. Ela pode apenas definir os fatores negativos, que decorrem, de modo lógico, de uma rigorosa crítica da sociedade atual. Assim, a ciência socioeconômica, procedendo a esta crítica, chegou à negação da propriedade individual hereditária, por conseguinte, ao conceito abstrato e, por assim dizer, negativo, da propriedade coletiva como condição necessária do futuro sistema social. (BAKUNIN, Mikhail. Estatismo e anarquia. São Paulo: Imaginário/Nu-Sol, Ícone, 2003, p. 237).


MODERNIZAÇÃO ECOLÓGICA

O termo "modernização ecológica" ficou conhecido por designar uma série de estratégias de cunho neoliberal para o enfrentamento do impasse ecológico sem considerar sua articulação com a questão da desigualdade social. A estratégia da modernização ecológica é aquela que propõe conciliar o crescimento com a resolução dos problemas ambientais, dando ênfase à adaptação tecnológica, à celebração da economia de mercado, à crença na colaboração e no consenso. Além de legitimar o livre-mercado como melhor instrumento para equacionar os problemas ambientais, esta concepção procurou fazer do meio ambiente uma razão a mais para se implementar o programa de reformas liberais (ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília Campello do A.; BEZERRA, Gustavo das Neves. O que é justiça ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009. p. 14).

MORAL

Sociologia da moral

Os seres humanos necessariamente compreendem o seu mundo social em termos morais, orientando as suas vidas, relacionamentos e atividades em torno de noções de certo e errado produzidas socialmente. A moralidade é sociologicamente entendida como mais do que simplesmente ajudar ou prejudicar os outros; abrange qualquer maneira pela qual os indivíduos compreendem quais comportamentos são melhores do que outros, quais objetivos são mais louváveis ​​​​e o que as pessoas "adequadas" acreditam, sentem e fazem. A moralidade envolve conjuntos explícitos e implícitos de regras e entendimentos compartilhados que mantêm intactos os grupos sociais humanos. A moralidade inclui tanto o “deveria” como o “não deveria” da atividade humana, seus elementos proativos e inibidores. (HITLIN, Steven; VAISEY, Stephen (Ed.). Handbook of the Sociology of Morality. Springer Science & Business Media, 2010).

Moralidade, ideologia e preferência

Perguntas de 'O que  devo  fazer?' são fundamentais para a vida cotidiana. Não pense em grandes questões de vida ou morte, apenas em escolhas mundanas que têm um elemento normativo: devo visitar minha mãe (e realmente deveria, já se passaram três semanas) ou relaxar com meus amigos? Devo comprar ovos postos por galinhas que podem correr livremente ou por aquelas criadas em uma fazenda em bateria que nem me atrevo a imaginar? Penso que a sociologia  não pode  deixar de estudar um fenômeno tão omnipresente na vida das pessoas e em todas as formas de interacção social. A questão complicada é como fazê-lo de uma forma que não reduza a ética nem à ideologia, nem às preferências individuais, mas que seja sensível às condições sociais, institucionais e até tecnológicas que permitem ou excluem determinada ética. (Pellandini-Simányi, L. (2018, Dezembro 3). Getting Beyond Bourdieu in the Sociology of Morality [Online]. The Sociological Review Magazine).

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O

ONTOLOGIA

Ontologia bakuniniana

A sua ação e o seu ser são um. (p. 429).

Todas as coisas são apenas aquilo que fazem: seu fazer, sua manifestação exterior, sua ação incessante e múltipla sobre todas as coisas que estão fora dela, é a exposição completa de sua natureza, de sua substância. (p. 429).

As coisas tal como são hoje não serão amanhã; amanhã não se terão perdido, e sim inteiramente transformado. (p. 339).

BAKUNIN, Mikhail. Considerações filosóficas sobre o fantasma divino, o mundo real e o homem. Apêndice ao Império knuto-germânico e a revolução social [1871]. In: Ferreira, A. C.; Toniatti, T. B. De baixo para cima e da periferia para o centro: textos poíticos, filosóficos e de teoria sociológica de Mikhail Bakunin. Niterói: Alternativa, 2014.

Ontologia agonística de Bakunin

(...) A realidade, isto é, a ordem política, cívica e social atualmente e em todos os países, é a soma, ou melhor, o resultado da luta, dos conflitos, do aniquilamento mútuo, da dominação e, em geral, da conjunção e da ação recíproca das diversas forças que, dentro e fora, agem no ou sobre o dito país. O que decorre disso? Primeiramente, que a transformação desses regimes sociais não pode se dar, e nunca se realiza senão por uma profunda modificação do equilíbrio entre as forças que se manifestam na dada sociedade. (Mikhail Bakunin. A ciência e a questão vital da revolução. São Paulo: Imaginário; Faísca, 2009. p. 34).

Ontologia weberiana

Os teóricos do assim chamado neo-weberianismo convergem na tese de que o esquema sociológico weberiano envolve três níveis básicos, a saber: ação social, relação social e ordem social (SCHLUCHTER, 2005, 2014; LEPSIUS, 2005). Enquanto o conceito de ação social deve ser localizado no plano micro, os conceitos de relação social e ordem social representam a dimensão macro de sua sociologia. Entre estes conceitos existe uma lógica de progressão, pois da composição e transformação das ações sociais emergem relações sociais que, caso orientadas por máximas vistas como modelos obrigatórios de conduta, adquirem um caráter permanente, configurando diversas ordens sociais: como o mercado, Estado, ciência, entre outros. Com base nesta distinção vem se firmando a leitura de que Weber, ao invés de postular o individualismo metodológico, já pode ser considerado o primeiro grande autor de uma síntese sociológica que busca ir além da oposição indivíduo e sociedade, agência e estrutura ou micro e macro. (A ontologia social de Max Weber. Carlos Eduardo Sell, Bruna dos Santos Bolda. 20º Congresso Brasileiro de Sociologia. 12 a 17 de julho de 2020. UFPA – Belém, PA. p. 3).

Ontologias da sociedade

Em geral, porém, a teoria sociológica adotou três posições alternativas típicas ideais em relação ao status ontológico da sociedade. Os estruturalistas insistem na realidade da sociedade. Algumas teorias fenomenológicas-hermenêuticas, por outro lado, enfatizam a realidade dos indivíduos e negam qualquer status ontológico para a sociedade. Para os interacionistas simbólicos, entretanto, o reino da interação fornece a unidade real da análise sociológica, enquanto tanto a sociedade quanto a subjetividade individual são assumidas como produtos de interações simbólicas (Saiedi, N. (1987). Simmel’s epistemic road to multidimensionality. The Social Science Journal, 24 (2), 181–193).

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P

PALAVRA

Toda palavra é um pequeno palco em que as ênfases sociais multidirecionadas se confrontam e entram em embate. Uma palavra nos lábios de um único individuo é um produto da interação viva das forças sociais. (Valentin Volóchinov. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem [1929]).

PODER POPULAR

O anarquismo latino-americano compreendeu rapidamente a ideia de Poder Popular. Basicamente foi a mesma coisa que tinha sido experimentada na Rússia em 1917, na Alemanha em 1919 ou na Espanha em 1936: a construção de organizações de poder dos trabalhadores, como os sovietes russos, os conselhos de trabalhadores alemães (e noutros lugares), os comités revolucionários espanhóis. Quando as pessoas estão organizadas, geralmente criam estruturas de autogestão em larga escala que assumem uma forma bastante semelhante.

As diferenças entre anarquistas latino-americanos e marxistas repousavam no problema do poder e da ruptura revolucionária. Assim, a Federação Anarquista Uruguaia, no início da década de 70, viu nas sementes do poder popular espaços de socialização do poder político, onde a autonomia, a democracia direta e a autogestão começaram a ser exercidas. Eles entendiam o Poder Popular de uma forma contrária e antagônica à natureza centralizadora e disciplinadora do Estado que aliena o poder político. Os marxistas, tal como o MIR e outros partidos semelhantes, entendiam o Poder Popular como os primeiros passos de um Estado Operário e viam a tomada do poder e a criação de um governo revolucionário como um estado de transição necessário.

Portanto, os anarquistas pensavam que o Poder Popular teria que ser rapidamente estabelecido em grande escala como uma alternativa ao Estado. Para isso, era vital que organizações anarquistas específicas pudessem ter militantes suficientes para contrariar a influência de outras forças políticas ligadas a processos revolucionários. Compreendiam que as organizações, frentes ou grupos armados que apoiavam o poder popular eram aliados necessários na luta contra o aparelho repressivo dos Estados, embora a longo prazo eclodissem conflitos entre aqueles que queriam construir o Estado Operário e aqueles que acreditava que o Poder Popular bastaria para si mesmo ou entre o ponto de ruptura, que é o Poder Popular, e o reformismo gradualista. (G, Miguel. La estrategia del poder popular. Regeneración Libertária. https://www.regeneracionlibertaria.org/author/blackspartak). Ver Contra poder.

POLÍTICA NÃO ESTADOCÊNTRICA

Isto é, o confronto com o Estado não é proposto como sua questão central, nem se focaliza na construção de estratégias para sua “ocupação” ou “tomada”; ela, basicamente, fortalece-se na defesa do comum, desloca a capacidade de comando e de imposição do capital e do Estado e pluraliza e amplifica múltiplas capacidades sociais de intervenção e decisão em assuntos públicos: dispersa o poder ao permitir a reapropriação da palavra e da decisão coletiva sobre os assuntos que são competência de todos, porque a todos afetam. (AGUILAR, Raquel Gutiérrez. Politica no feminino: transformações e subversões não centradas no Estado. Revista Ideação, v. 1, n. 39, p. 223-242, 2019. p. 230).

PROJETOS TERRITORIAIS

Os projetos territoriais são fundamentalmente políticos, pois envolvem atores sociais e instituições que podem defender interesses divergentes e que são orientados por uma atividade econômica dominante, a qual articula outras atividades, atores sociais e ambientes. Sua análise parte de três dimensões: (1) uma relativa às intencionalidades dos atores sociais, que é apresentada na fala dos envolvidos; (2) uma que se refere ao grau de institucionalização dos projetos, percebido no grau de formalização de modelos e estratégias de apropriação dos recursos naturais; e (3) uma dimensão relativa aos diferenciais de legitimação apresentados entre os projetos, referente aos esforços discursivos que dão sentido às intencionalidades. (MIRANDA, Roberto de Sousa. Ecologia política e processos de territorialização. Revista Sociedade e Estado, vol. 28, Número 1, janeiro/abril 2013).

PROPRIEDADE PRIVADA

A descoberta e a teorização de que a propriedade privada e a produção de valor é um ato de expropriação é talvez a maior formulação da teoria anarquista, anterior a formulação e pré-condição para a formulação da teoria da mais-valia em "O Capital". O filosofema "a propriedade é um roubo" implica a negação da tese da origem da propriedade pelo trabalho e pela ocupação primordial, eliminando os fundamentos da legalidade e legitimidade da propriedade do capital e da terra. (FERREIRA, Andrey Cordeiro. Teoria do poder, da reciprocidade e a abordagem coletivista: Proudhon e os fundamentos da ciência social no anarquismo. Rio de Janeiro: UFRRJ, 2014).

Q

QUESTÃO AGRÁRIA

A terra, com todas as suas riquezas naturais é a propriedade de todos, mas ela só será possuída por aqueles que a cultivarem. (BAKUNIN, Mikhail. Catecismo revolucionário. In: BAKUNIN, Mikhail. Obras seletas, v.2. São Paulo: Intermezzo, 2017).

É pela terra que começou a exploração do homem; é na terra que ela lançou seus sólidos alicerces. A terra ainda é a fortaleza do capitalismo moderno, como foi a cidadela do feudalismo e do antigo patrício. É a terra, enfim, que devolve à autoridade, ao princípio governamental, uma força sempre nova (...). (Pierre-Joseph Proudhon. Idée générale de la Révolution au dix-neuvième siècle. Disponível: fr.theanarchistlibrary.org).

R

REGIME DE VERDADE

Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (Foucault, Michel. Microfísica do poder. 2004, p. 10. Virtual book. In: www.sabotagem.net).

RITUAIS DE REBELIÃO

Constitui, portanto, meu primeiro exemplo de um ritual de rebelião, protesto institucionalizado exigido por uma tradição sagrada,  aparentemente contra a ordem estabelecida, mas que pretende abençoar tal ordem, com o fito de conseguir prosperidade (Gluckman, Max. Rituais de rebelião no Sudeste da África. Brasília: Universidade de Brasília, Departamento de Antropologia, 2011, p. 9).

REVOLUÇÃO SIMBÓLICA

Se as revoluções simbólicas são especialmente difíceis de entender, mais ainda quando são exitosas, é porque o mais difícil é entender o que parece óbvio, na medida em que a revolução simbólica produz as estruturas pelas quais a percebemos. Em outras palavras, assim como as grandes revoluções religiosas, uma revolução simbólica desarranja estruturas cognitivas e às vezes, em certa medida, estruturas sociais. Quando bem-sucedida, ela impõe novas estruturas cognitivas que pelo fato de se generalizarem, de se difundirem, de habitarem o conjunto num universo social dos sujeitos que percebem tornam-se imperceptíveis. Nossas categorias de percepção e apreciação, as que normalmente empregamos para entender as representações do mundo e o próprio mundo, nasceram dessa revolução simbólica bem-sucedida.

Na verdade, o cerne do que eu queria lhes mostrar rapidamente hoje é que a revolução simbólica prejudica as categorias de percepção dos sujeitos que percebem, desafia suas categorias de percepção. Ao agredi-los, ao questioná-los, a revolução simbólica os obriga, de certa forma, a se revelarem. (BOURDIEU, Pierre. Manet: uma revolução simbólica. Novos estudos CEBRAP, p. 121-135, 2014).

Revolução simbólica e ordem simbólica

Para entender essa revolução simbólica sobre a qual tentei dizer - talvez de modo um pouco abstrato já que ela é intrinsecamente difícil de entender - será preciso tentar captar primeiro a ordem simbólica que Manet derrubou, e em que consistia essa ordem: uma ordem simbólica realizada é uma ordem que se impõe como evidente, uma ordem tal que seu questionamento não vem ao espírito de ninguém. Em outras palavras, uma ordem simbólica realizada cumpre 5 [consegue] perceber que essa ordem própria simbólica seja óbvia, seja taken for granted. Para reconstituir essa ordem simbólica em toda a sua força é preciso levar em conta o fato de que a experiência do "isso é óbvio" é absolutamente extraordinária, mas que, paradoxalmente, parece ordinária: é extraordinária porque supõe um acordo quase perfeito entre as estruturas objetivas do mundo, daquilo que é percebido, e as estruturas cognitivas pelas quais o percebemos. E é desse acordo imediato, sem discordância, sem dissonância, sem desacordo, que nasce a experiência do "é assim", do "isso é óbvio", do "não pode ser diferente". (BOURDIEU, Pierre. Manet: uma revolução simbólica. Novos estudos CEBRAP, p. 121-135, 2014).

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S

SINDICALISMO REVOLUCIONÁRIO

Deste encontro de ativistas operários, da sua luta comum surgiu o sindicalismo revolucionário que significa: movimento autônomo da classe operária exercendo nos seus sindicatos através da sua ação direta a luta contra todas as forças de exploração e opressão que pesam sobre ela. (Pouget, Emile et al. Aos camaradas. L'Action Directe, 15 de janeiro de 1908. Disponível em: https://la-presse-anarchiste.net/index.php/1908/01/15/aux-camarades-2/. Acesso em 22 fev. 2024).

SOCIEDADE

A sociedade é o modo natural de existência da comunidade humana, independente de qualquer contrato. É governada por costumes ou hábitos tradicionais, mas nunca por leis. Avança lentamente pelo impulso de iniciativas individuais e não pelo pensamento ou vontade do legislador. Há muitas leis que a regem à sua maneira, mas são leis naturais, inerentes ao corpo social, uma vez que as leis físicas são inerentes aos corpos materiais. A maior parte destas leis são até agora desconhecidas, e no entanto têm governado a sociedade humana desde o seu nascimento, independentemente do pensamento e da vontade dos homens que a compuseram; daí decorre que não devem ser confundidas com as leis políticas e jurídicas que, nos sistemas que estamos a examinar, proclamadas por qualquer poder legislativo, fingem ser as deduções lógicas do primeiro contrato conscientemente formado por homens. (BAKUNIN, Miguel. Federalismo, socialismo y anti-teologismo. In: BAKUNIN, Miguel. Obras completas de Miguel Bakunin, Vol. 3. Tradução Diego A. de Santillán. Madri: La Piqueta, 1979. p. 125).

Sociedade sem Estado

Há uma tendência para as pessoas criadas em sociedades com Estados assumirem que o verdadeiro ou correto ponto final da evolução cultural humana é a criação de uma sociedade com um Estado. Aqueles que vivem em sociedades sem Estado são, portanto, vistos como pessoas inferiores que não conseguiram perceber a melhor forma de organizar a sociedade. Em resposta a esta forma de pensar, o antropólogo Pierre Clastres sugeriu que as sociedades sem Estado não deveriam ser vistas como sociedades sem Estado, mas sim como sociedades contra o Estado. Isto é, as pessoas não vivem em sociedades sem Estado por acaso. Em vez disso, desenvolveram filosofias políticas sobre o tipo de sociedade em que querem viver e criaram conscientemente estruturas sociais para garantir a reprodução de uma sociedade sem governantes. Os membros de sociedades sem Estado não deixaram de perceber a possibilidade de uma sociedade em que uma minoria dominante impõe a sua vontade a todos os outros através da violência. Em vez disso, escolheram deliberadamente criar um tipo diferente de sociedade. (BAKER, Zoe. Anarchism as a Way of Life. 2021. The Anarchist Library).

A sociedade somos nós

Este mundo que nos envolve, nos penetra, nos agita, sem que possamos vê-lo de outro modo que não seja através dos olhos do espírito e tocá-lo a não ser por sinais, este mundo estranho, é a sociedade, somos nós! (Pierre-Joseph, Sistema das contradições econômicas, 1846).

Homem e sociedade

Quereis conhecer o homem, estudai a sociedade; quereis conhecer a sociedade, estudai o homem. O homem e a sociedade servem-se reciprocamente de sujeito e objeto; o paralelismo de ambas as ciências é completo.(Pierre-Joseph, Sistema das contradições econômicas, 1846).

Progresso da sociedade

As forças coletivas revelaram que a sociedade é um equilíbrio de elementos opostos, antinômicos; que a mudança social ocorre quando o equilíbrio entre esses elementos é perturbado; e que um novo equilíbrio é estabelecido quando as mudanças nos elementos em conflito são incorporadas em novas ou modificadas instituições. Esse processo de equilíbrio/desequilíbrio é responsável pelo progresso da sociedade e, como novas coletividades vão surgindo constantemente no decorrer do tempo, novos equilíbrios são estabelecidos, e esse processo continuará sem fim. (NOLAND, Aaron. Pierre-Joseph Proudhon: socialist as social scientist. The American Journal of Economics and Sociology, v. 26, n. 3, p. 313-328, 1967).

Produção e reprodução da sociedade

A produção e a reprodução da sociedade tem de ser tratadas como uma execução hábil por parte dos seus membros, e não meramente como uma série mecânica de processos. (Giddens, Novas regras do método sociológico, 1976).

SOCIOLOGIA

A sociologia de Proudhon

A sociologia de Proudhon é fruto exclusivamente de sua guerra social e política, e só ao evocar suas lutas e críticas, é possível descobrir o espírito da ciência social por ele elaborada e o método dialético que propõe. (Ansart, Pierre. Sociología de Proudhon. Buenos Aires: Editorial Proyección. 1971).

A sociologia para Kropotkin

Quanto mais vivo, mais me convenço de que nenhuma ciência social verdadeira e útil, nenhuma ação social verdadeira e útil é possível, exceto a ciência que baseia suas conclusões, e a ação que baseie seus atos, no pensamento e na inspiração das massas. Toda ciência sociológica e toda ação social que não levar isso em conta deve permanecer estéril. (Kropotkin, Piotr. Carta a Emma Goldman. In: Emma Goldman. Viviendo mi vida (1931). Disponível em: https://es.theanarchistlibrary.org/library/emma-goldman-viviendo-mi-vida. Acesso em 15 março de 2024.)

A sociologia não é

A sociologia não é nem um ramo da literatura, nem um ramo da física. Ela recusa tanto a redução pós-estruturalista de todo o conhecimento a conhecimento reflexivo, como a redução feita pela ciência pura de todo o conhecimento a conhecimento instrumental. (Michael Burawoy. A sociologia da terceira onda e o fim da ciência pura, 2008).

O mal da sociologia

O mal da sociologia é que ela descobre o arbitrário, ali onde as pessoas gostam de ver a natureza; e que descobre a coação social, ali onde se gostaria de ver a escolha, o livre-arbítrio. (BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas).

Grupo e indivíduo na sociologia

A sociologia, embora se defina como a ciência das sociedades, na realidade não pode tratar dos grupos humanos, que são o objeto imediato de sua pesquisa, sem chegar finalmente ao indivíduo, elemento último do qual esses grupos são compostos. (Emile Durkheim, O dualismo da natureza humana e suas condições sociais, 1914).

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TEORIA

Papel da boa teoria

El gran mérito del análisis estructural es que proporciona una técnica casi infalible para hacer lo que cualquier buena teoría debe hacer: simplificar y esquematizar un material complejo de tal forma que sea capaz de decir algo inesperado (GRAEBER, David. Fragmentos de antropología anarquista y otros textos. Mexico, DF: La Social, 2015, p. 194).

Teoria social

A teoria social tem a tarefa de fornecer concepções da natureza da atividade social humana e do agente humano que possam ser colocadas a serviço do trabalho empírico. A principal preocupação da teoria social é idéntica às das ciências sociais em geral: a elucidação de processos concretos da vida social. (Anthony Giddens, A constituição da sociedade ([1984] 2003).

Teoria e experiência

A experiência deve renovar constantemente a teoria (Amédeé Dunois. O conflito. L'Action Directe, 15 de janeiro de 1908. Disponível em: https://la-presse-anarchiste.net/index.php/1908/01/15/le-conflit/. Acesso em 22 jan. 2024).

TEORIA DO ATOR REDE

Uma abordagem sociológica associada a Bruno Latour, John Law, Michel Callon e outros que influenciaram várias ciências sociais. Ela enfatiza a natureza performativa das redes, e, de forma controversa, pode-se dizer que atribui agência, a capacidade de agir, a elementos não humanos de uma rede - as pessoas e as coisas que elas usam interagem para perpetuar a rede. Os críticos argumentam que a TAR subestima as verdadeiras relações políticas e de poder envolvidas em sua área de estudo. A TAR é um ramo dos estudos de ciência e tecnologia. (MORRIS, Mike. Concise dictionary of social and cultural anthropology. John Wiley & Sons, 2012. p. 2).


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