Leitura 9: Outra história humana é possível

 


O despertar de tudo, livro de Graeber e Wengrow, foi a minha última leitura de 2023, a mais volumosa e interessante daquele ano.

O livro é "uma nova história da humanidade", como informa o subtítulo, porque se propõe a contá-la de outra maneira e usando como base outras fontes, não mais os pressupostos filosóficos sem base empírica de Hobbes ou Rousseau, mas as descobertas arqueológicas e históricas dos últimos 30 anos, lembrando que o livro foi publicado originalmente em 2020.

Durante uma longa viagem de ônibus feita no final do ano de 2023, e com a leitura do livro ainda "fresca na cabeça", registrei no bloco de notas do celular 26 pontos sobre o que aprendi com este trabalho de Wengrow e Graeber, o resultado é algo como um fichamento e não uma resenha, que, de fato, pretendo escrever no futuro.

1. A história humana não é linear.

2. O esquema evolucionista (clã, tribo...) não corresponde a realidade histórica das sociedades humanas. É apenas um esquema e não uma realidade.

3. Os dados históricos, arqueológicos e etnográficos dos últimos 30 anos desconfirmam as narrativas tradicionais sobre as sociedades humanas, sejam essas narrativas de cariz hobbesiana ou rousseauniana.

4. Essas narrativas sobrevivem nas formas contemporâneas de contar a história da humanidade (Pinsky, Harari) e concluem pela inevitabilidade da criação de uma prisão autoritária e burocrática como o nosso destino.

5. Historiadores e cientistas sociais tendem a projetar a forma Estado, tal como experienciada no século XX, em sociedades que não eram estatais.

6. O Estado é uma forma política recente.

7. Existiram formas políticas igualitárias ao longo da história humana.

8. Essas formas igualitárias são encaradas como desvios, anomalias e por isso não são estudadas como fatos importantes.

9. Não existe inevitabilidade na história das sociedades humanas.

10. Os povos antigos eram criativos e experimentaram diferentes formas de organizar a sociedade.

11. Os pensadores iluministas da Europa foram influenciados pela crítica indígena da sociedade europeia.

12. Essa influência não costuma ser notada e comentada.

13. Os historiadores e cientistas sociais costumam achar boba a afirmação de que Rousseau e outros iluministas se inspiraram na crítica indígena.

14. A agricultura foi praticada, abandonada e retomada ao longo da história humana.

15. De modo que o argumento sobre o estabelecimento da agricultura não leva em conta a alternância entre adesão e afastamento das práticas agrícolas.

16. A combinação de agricultura, urbanidade e complexidade das relações sociais nem sempre levou a adoção de regimes autoritários de governo. Tendo havido sociedades igualitárias que eram agricultoras, urbanas, complexas e geridas por assembleias populares.

17. O Estado moderno é uma combinação de soberania, burocracia e política competitiva (e carismática).

18. Essa combinação moderna não é encontrada na história humana a não ser na modernidade.

19. O que existiu no passado das sociedades humanas foram regimes de governo que possuíam uma ou duas dessas características.

20. Os autores irão chamar regimes de primeira ordem, os que possuíam uma dessas características. Regimes de sugunda ordem, os que possuíam duas dessas características.

21. A essas três "formas elementares de dominação", os autores vão contrapor as três "formas elementares de liberdade".

22. As três formas elementares de liberdade são: a liberdade de ir e vir, a liberdade de desobedecer ordens e a liberdade de reorganizar as relações sociais.

23. A burocracia surgiu para lidar com processos de organização social de pequena escala, tinha uma função igualitária, e uma atenção às particularidades, algo contraintuitivo de se imaginar porque distante de seu atual significado cultural e função política.

24. Evidências arqueológicas indicam que existiu um intenso intercâmbio cultural, político e econômico entre as sociedades indígenas da América do Norte e da Mesoamérica, o que desfaz a imagem dessas sociedades como isoladas e avessas a complexas relações sociais.

25. Processos culturais de cismogênese foram corriqueiros em diversos períodos e lugares.

26. Existe toda uma história não devidamente contada de sociedades ao longo da história humana que foram governadas por mulheres.

Outros pontos interessantes que não tive como anotar durante a viagem, se referem a origem da desigualdade, do Estado, da guerra e da burocracia, sobre as sociedades matriarcais e seu apagamento nos modos de contar a história humana, sobre os reis, nem sempre absolutistas, e sobre o cuidado no desenvolvimento da dominação social.

Raphael Cruz

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