A dialética de Proudhon

 

Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865)


APRESENTAÇÃO

Esta é uma tradução do verbete Dialética (Série), escrito por Fawzia Tobgui, contido no Dictionnaire Proudhon, organizado por Chantal Gaillard e Georges Navet, publicado pela editora Aden, de Bruxelas, Bélgica, em 2011. A tradução foi realizada a partir do texto disponível online no site da Société P.-J. Proudhon

Tobgui explica como Proudhon desenvolveu a sua dialética serial antinômica, destacando as influências de Fourier, Kant e Hegel e, por fim, pontua a originalidade da dialética proudhoniana contida na tese do "equilíbrio dinâmico". 

O referido dicionário funciona como uma introdução aos conceitos e temáticas trabalhados por Proudhon ao longo de sua extensa obra, sendo indicado para quem está se iniciando no estudo do pensamento do autor.

Raphael Cruz


DIALÉTICA (SÉRIE)

Fawzia Tobgui

De acordo com o próprio Proudhon, que na Teoria da Propriedade faz um julgamento crítico de toda a sua obra, a dialética constituiria a principal contribuição teórica de seu pensamento. De fato, toda a obra de Proudhon só pode ser compreendida a partir da dialética que a fundamenta e liga suas diferentes partes. No entanto, desde 1936 (Chen Kai-Si, La dialectique dans l'œuvre de Proudhon, Thèse de doctorat, Paris, Domat Montchrestien, 1936), nenhum trabalho foi especificamente dedicado a ela, com exceção de alguns artigos ou alusões em estudos focados em outros temas. (Entre os críticos que consideram a dialética de Proudhon digna de interesse, ver, entre outros, G. Gurvitch, Dialectique et sociologie, Paris, Flammarion, 1962 e P. Ansart, Proudhon, Textes et débats, Paris, Librairie Générale Française, 1984, pp. 209-243).

Proudhon não deixou um tratado sobre dialética como tal. Os primeiros elementos da dialética que ele expôs após seu período de estudos em Paris, entre 1839 e 1842, na Criação da Ordem e no Sistema de Contradições Econômicas, não despertaram o interesse de seus contemporâneos. Na França, os ecos foram muito negativos e a recepção na Alemanha, embora favorável ao primeiro texto, foi francamente hostil ao segundo. A publicação de A criação da ordem permitiu que Proudhon conhecesse os refugiados alemães em Paris. K. Grün chegou a comparar Proudhon a um novo Feuerbach (Die soziale Bewegung in Belgien und Frankreich, Darmstadt, 1845, p.450). O Sistema das Contradições seria a fonte da ruptura e da longa polêmica com Marx. Em A Miséria da Filosofia, Marx se esforça para demonstrar "quão pouco ele [Proudhon] penetrou no mistério da dialética"; ele "tem da dialética apenas a linguagem". Muito tempo depois da morte de Proudhon, Marx continuou a fazer um julgamento negativo sobre Proudhon; ele repetiu a reprovação formulada em 1846 em uma carta ao Sozial-Demokrat, publicada em 1896 por ocasião de uma nova edição de La Misère de la philosophie (trechos citados por H. de Lubac em: Proudhon et le christianisme, Paris, Seuil, 1945, pp.140 e 142-143). A atitude de Marx em relação a Proudhon a partir de 1846 também contribuiu, sem dúvida, para o descrédito desse último e de seu projeto dialético. Durante o período da Revolução de 1848, diante da urgência dos acontecimentos políticos, o projeto dialético foi suspenso. No entanto, a dialética é onipresente nos escritos posteriores ao De la Justice e, se Proudhon não dedica mais nenhum capítulo a ela, em particular nos textos que seguem o Sistema de Contradições Econômicas, no decorrer das páginas, ele especifica sua teoria.

O caráter agora mais subterrâneo da dialética tem confundido os intérpretes, que mudaram seu interesse para as questões explicitamente tematizadas do pensamento proudhoniano.

A GÊNESE DO PROJETO DIALÉTICO

Como mostram as notas de leitura e a correspondência, os estágios mais significativos no desenvolvimento da teoria dialética parecem ter sido a leitura de Fourier, Kant e Hegel e, em seguida, o surgimento de um ponto de vista próprio. Pode-se admitir que certas leituras, que datam da época em que Proudhon trabalhava como revisor em uma gráfica, constituíram a base de sua cultura: ler, em particular, os escritos de Fourier, Saint-Simon, Cousin, Cabet, Jouffroy e Leibniz, bem como algumas traduções ou resenhas de Kant, Fichte, Hegel e Feuerbach. (Sobre a questão das influências dialéticas de Proudhon, consulte as obras de G. Gurvitch, op. cit. e Chen Kai-Si, op. cit., bem como as duas obras de P. Haubtmann, Pierre-Joseph Proudhon, sa vie et sa pensée, 1809-1849, Paris, Beauchesne, 1982, e Proudhon, Marx and German Thought, Grenoble, Presses Universitaires de Grenoble, 1981).

A "LEI SERIAL" DE FOURIER 

Embora Proudhon conteste que Fourier tenha tido qualquer influência na concepção de sua dialética, ele lhe atribui o grande mérito de ter sido o precursor da lei serial (Creation, 166); no entanto, de acordo com Proudhon, Fourier teria se contentado em distinguir vários tipos de séries, sem apresentar uma teoria consistente, permanecendo prisioneiro de um "vã simbolismo" (ibid., 169). Além disso, Fourier não elabora nenhuma dialética. O projeto de Proudhon é preencher essa lacuna. É exatamente isso que ele se propõe a realizar sob o nome de "dialética serial" na Criação.

Proudhon adota a ideia fourierista de que o mundo é governado por séries. Tudo é "serial", ou seja, uno e múltiplo. A série, de acordo com sua definição, é "um todo composto de elementos agrupados sob uma determinada razão ou lei" (ibid., 274). O elemento básico da série é a unidade, e a menor série possível compreende pelo menos duas unidades; consequentemente, ela necessariamente compreende um múltiplo. "Descobrir a série é ver a unidade na multiplicidade, a síntese na divisão" (ibid., 192). A descoberta de uma série compreende, portanto, três momentos: 1) o posicionamento de uma unidade (tese), 2) o destaque de uma unidade oposta (antítese), 3) a composição das unidades opostas em uma unidade superior (síntese). A afirmação de que tudo no mundo é serializado também implica a afirmação de que tudo no mundo é oposto. Entretanto, o momento destrutivo constituído pelo destaque das antinomias deve ser seguido pelo momento "criativo" da síntese (ibid., 178). A dimensão criativa da dialética serial, sublinhada até mesmo no título do livro, Sobre a criação da ordem, revela claramente a ambivalência do termo "série", que é tanto lei quanto norma, princípio descritivo e normativo, ordem da natureza e ordem a ser estabelecida na sociedade, instrumento de apreensão da realidade e regra que serve para orientar a práxis.

Mais tarde, Proudhon fez um julgamento bastante severo sobre a Criação, considerando o livro "mal feito" (Carnets, III, 135; ver também Confessions, 177). Essa crítica, no entanto, não afeta as ideias expressas no livro - Proudhon afirmará em várias ocasiões que não tem "nada a negar" (Carnets, III, 134) - e, em particular, a dialética serial, a parte da obra à qual ele declarará que "atribui a maior importância" (Confessions, p. 177, nota).

A "ANTINOMIA" KANTIANA 

A fonte do termo "dialética", que Proudhon às vezes usa para designar sua própria teoria serial, pode ser encontrada em Kant, de acordo com uma indicação em uma carta de dezembro de 1844 (Cor., VI, 347). Proudhon, que não sabia alemão, leu a Crítica da Razão Pura na tradução de J. Tissot. Sabemos por seus Carnets que ele leu e anotou essa obra em dezembro de 1839 e depois em dezembro de 1840. Autodidata, ele não estava preparado para uma leitura tão difícil. Não é de surpreender que ele tenha julgado Kant "difícil de ler e entender" (citado por P. Hauptmann, sem referência, em: Pierre-Joseph Proudhon, sa vie et sa pensée, op. cit., p.243). Sem dúvida, o estilo e as ideias de Kant se impuseram a ele, mas o viés empirista de Proudhon o levou a rejeitar todo o núcleo transcendental de uma doutrina que ele não entendia e na qual via apenas uma versão das formas inatas de sensibilidade e compreensão: "Não acredito, confesso, na naturalidade não apenas das ideias, mas até mesmo das formas ou leis de nosso entendimento, e considero a metafísica de [...] Kant ainda mais distante da verdade do que a de Aristóteles" (Prem. Mem, 136). É o "sistema inteiro de Kant" que ele acredita estar desafiando ao afirmar que o espaço e o tempo, bem como as categorias, longe de serem formas puras de sensibilidade e entendimento, respectivamente, seriam apenas o resultado de "uma impressão da natureza na mente" (Carnets, II, 139-140). Essa posição o leva, é claro, a rejeitar toda a metafísica e psicologia de Kant (Cor, II, 46), viciadas, segundo ele, por essa dimensão transcendental na qual ele não acredita.

Essa reserva fundamental em relação ao sistema kantiano não o impede de celebrar em Kant o fundador de uma "nova dialética" (Création, 161), cuja contribuição mais considerável para a história da dialética consistiria na exploração de uma figura da dialética até então pouco utilizada: "Desde Kant, a dialética foi enriquecida por uma figura até então pouco conhecida, e à qual a balança parece ter servido de modelo. [...] Ela consiste no fato de que, dados dois termos antitéticos, um terceiro termo resulta de sua união, diferente dos outros dois, e os resolve em uma espécie de equilíbrio ou equação" (ibid, 213). É precisamente essa nova figura dialética que governaria parcialmente a tabela de categorias: "Kant, tendo dividido os conceitos em quatro famílias, cada uma composta de três categorias, mostrou que essas categorias geravam, por assim dizer, umas às outras, sendo a segunda constantemente a antítese ou o oposto da primeira, e a terceira procedendo das outras duas por uma espécie de composição", de acordo com a estrutura ternária de tese, antítese e síntese (ibid., 161-162).

Em suma, Proudhon encontrou em Kant o que lhe faltava em Fourier, uma teoria dialética, na qual ele se inspirou amplamente (resolução da antinomia "em uma espécie de equilíbrio ou equação"), e é nesse ponto que Proudhon vê uma grande analogia entre seu pensamento e o de Kant. Entretanto, Kant não teria sido capaz de dar a essa nova figura da dialética, da qual ele seria o gênio inaugurador, um alcance suficientemente universal. E se, em uma carta a Tissot em 1846, ele declara que "ao ler as antinomias de Kant, [ele teria] visto não a prova da fraqueza de nossa razão, nem um exemplo de sutileza dialética, mas uma verdadeira lei da natureza e do pensamento", é para acrescentar que Hegel teria "mostrado que essa lei era muito mais geral do que Kant parecia supor" (Cor., II, 231).

O MODELO TERNÁRIO HEGELIANO

Depois de Kant, Proudhon voltou-se para Hegel, precisamente com o objetivo de "preencher os pontos fracos" do sistema kantiano. Sua leitura de Kant lhe deu um vislumbre da grande tarefa filosófica que tinha pela frente. Trata-se de estabelecer um sistema que se apoie, não em princípios que, como no sistema kantiano, só seriam demonstrados "como leis da mente, não como leis dos objetos", mas no princípio sentido na leitura das antinomias e que ele designa com o termo "série", tanto "lei da natureza quanto do pensamento"; em outras palavras, trata-se de ir além do subjetivismo kantiano e de efetuar uma reconciliação com a realidade.

Se, em sua avaliação da posição kantiana, Proudhon parece estar de acordo com o esquema da história da filosofia que Hegel foi capaz de impor e que ele foi capaz de encontrar notavelmente em Cousin, ele se mostra pouco inclinado a reconhecer o papel que Hegel atribui a si mesmo. Na realidade, Proudhon, que não falava alemão, só penetrou em Hegel por meio das poucas resenhas e resumos de livros didáticos a que teve acesso, bem como por meio de suas conversas com hegelianos de esquerda. O que ele reteve foi essencialmente a universalização do princípio ternário inaugurado por Kant (Creation, 162: "Hegel generalizou essa ideia engenhosa").

Embora Proudhon se expresse de forma muito positiva sobre a lógica de Hegel, que satisfaria "infinitamente mais a [sua] razão do que todos os velhos apofagismos com os quais fomos empanturrados desde a infância", ele se apressa em acrescentar que não sente necessidade de tudo isso "para seguir Hegel em sua tentativa infrutífera de construir o mundo das realidades com o alegado a priori da razão" (ibid. 231). O idealismo absoluto está longe de fornecer a fórmula para essa reconciliação com a realidade, que falta a Kant. Hegel "antecipa os fatos em vez de esperar por eles".

Rejeitando a metafísica de Hegel, Proudhon retém de sua dialética apenas uma fórmula lógica, sem dúvida "maravilhosamente conveniente" (ibid., 232) e aplicada com uma "arte maravilhosa" (ibid., 162), dando a ilusão de verdade, mas que se revela, no final, estéril e vazia (ver, por exemplo, Cor., II, 47, onde as proposições hegelianas são qualificadas como fórmulas "tautológicas" e "abstrações verbais"). É verdade que "o gênio do homem nunca havia feito um esforço tão prodigioso", observa Proudhon, mas, uma vez passado o primeiro momento de encantamento, percebe-se que Hegel "força suas fórmulas" (Creation, 163), e a coisa toda logo dá a impressão de nada mais do que um jogo pueril e vão: "Não me deixo enganar pela metafísica e pelas fórmulas de Hegel [...]. Eu chamo uma pá de pá, e não acho que estou muito mais à frente ao dizer que este animal é uma diferenciação do grande todo, e que Deus chega à autoconsciência em meu cérebro [...]. Alguém ousaria me dizer que o sistema de Hegel é outra coisa senão a fórmula tese, antítese, síntese, tomada como a lei da diferenciação do absoluto, e sucessivamente aplicada, com grande aparato e grande barulho, a todas as questões de filosofia, arte, direito, etc.? Bem! Isso, para mim [...] é infantilidade; não é ciência" (Cor., II, 47).

Se o mérito de Hegel é, em certo sentido, ter generalizado o uso do modelo ternário proposto por Kant, isso constitui, ao mesmo tempo, segundo Proudhon, sua fraqueza, porque, ao fazê-lo, ele teria se apegado apenas a um caso particular de dialética serial: "Hegel, antecipando os fatos em vez de esperar por eles, forçou suas fórmulas e esqueceu que o que pode ser uma lei do todo não é mais suficiente para explicar os detalhes. Hegel, em uma palavra, havia se aprisionado em uma série particular e pretendia explicar a natureza, que é tão variada em suas séries quanto em seus elementos" (Création, 163. Veja também Cor, II, 176: "Essa lógica [a lógica de Hegel] é apenas um caso particular, ou, se preferir, o caso mais simples dentre os meus").

Além disso, embora Proudhon, em contato com a esquerda hegeliana, tenha se aproximado das teses hegelianas por volta de 1845-1846 e, em particular, tenha considerado no Sistema de Contradições Econômicas que a estrutura tese-antítese-síntese poderia expressar uma "lei do todo", ele logo revisou essa opinião. De 1855 em diante, Proudhon abandonou definitivamente o termo "síntese". Por volta de 1860, ele julgou severamente seu desvio hegeliano: "No que diz respeito ao Sistema de Contradições Econômicas, eu diria que se essa obra deixa a desejar do ponto de vista do método, a causa deve ser encontrada na ideia que eu havia formado, de acordo com Hegel, da antinomia, que eu supunha que deveria ser resolvida em um termo mais elevado, a síntese, distinto dos dois primeiros, a tese e a antítese: um erro de lógica, tanto quanto de experiência, do qual me libertei agora" (Théorie de la propriété, Paris, Lacroix, 1866, p. 52 ).

Deve-se notar que Proudhon só retém, de fato, a extensão universal dada a um modelo de séries que ele, infelizmente, considera unilateral ("ciências naturais, moral, política, jurisprudência, tudo passa por ele"), e a maneira viva com que Hegel foi capaz de articular as séries entre si ("as séries se sucedem e se ligam com uma arte maravilhosa"). Entretanto, apesar da extensão do campo de aplicação da dialética hegeliana, o corte com a realidade permaneceria. Seguindo Kant, Hegel não teria sucesso em superar a lacuna entre as "leis do espírito" e as "leis dos objetos". Hipostasiando o modelo ternário, Hegel teria se fechado em uma série particular, incapaz de dar conta da natureza, exceto mutilando-a.

A ANTINOMIA COMO LEI UNIVERSAL 

Proudhon desenvolve uma concepção original da dialética. Suas principais fontes são Fourier, Kant e Hegel, de quem ele toma emprestadas noções-chave como "série", "dialética", "antinomia", das quais ele propõe uma leitura muito pessoal, filologicamente imprecisa, mas muito rica em potencialidades.

Em 1844, após sua leitura de Kant, Proudhon registrou em seus Carnets o projeto de "explicar a origem do mal pela lei das Antinomias [...], [de] relacionar a uma única causa, a uma lei da mente humana [...], todos os fatos sociais de ordem e desordem, bem e mal, progresso e ruína" (Carnets, I, 52-53). É uma questão de "buscar a lei geral que governa toda a ciência e, portanto, a própria sociedade. [...] É uma questão de uma lei superior, uma lei da natureza e de nosso entendimento, que explica igualmente a ordem e a desordem ... das sociedades" (Cor., II, 139-140). Seu objetivo, como ele afirma em outra carta ao editor, é alcançar "a reconciliação universal por meio da contradição universal" (ibid., II, 226). A ideia de harmonia universal, presente em toda a obra, não se baseia em uma concepção irênica do mundo, essa harmonia não é estática, é o resultado do equilíbrio entre forças irrevogavelmente antagônicas. É a antinomia, um termo que Proudhon toma emprestado de Kant em um sentido muito mais amplo, que designa a relação entre os dois termos antagônicos, que serve de lei para todos os elementos em oposição e que os liga. Proudhon, cujo interesse é principalmente a filosofia prática, não se detém na operação dessa lei na natureza. No entanto, algumas observações confirmam que esse "antagonismo profundo" (G.P., 46) (ou que essa "antinomia natural") que "governa a natureza" (ibid., 46) forma "séries naturais" que "se desenvolvem cada uma de acordo com seu próprio objeto, sem se misturar ou se fundir" (Création, 177). O equilíbrio dinâmico entre as forças naturais conflitantes produz um "movimento perpétuo" (Carnets, I, 257). A antinomia é "a razão tanto do movimento quanto da eternidade, o princípio gerador" (Création, 260).

A antinomia é uma lei da natureza e também uma lei do pensamento. Onde quer que haja oposição, o pensamento encontra uma maneira de ser exercido; ele é, portanto, o produto da síntese de duas forças antitéticas, da unidade subjetiva e da multiplicidade objetiva, do Ego e do Não-Ego. O pensamento é uma forma de ação porque o homem só pode reagir àquilo que se opõe: "A condição por excelência da vida" no homem, lemos, "é a ação [...]. Mas o que é ação? Para que haja ação, exercício físico, intelectual ou moral, deve haver um ambiente em relação ao sujeito que age, um Não-Ego que se coloca diante de seu ego como um lugar e matéria de ação, que resiste e o contradiz. A ação será, portanto, uma luta: agir é lutar" (G. P., 53).

A lei da vida natural, a lei da vida intelectual e prática, a antinomia é também a lei da vida moral e social. "Como um ser organizado, inteligente, moral e livre, o homem está [...] em luta, ou seja, em uma relação de ação e reação, principalmente com a natureza. [Mas o homem não lida apenas com a natureza; ele também encontra o homem em seu caminho" (G. P., 54), e, em virtude da lei da ação, ele deve necessariamente se opor a ele e se encontrar em uma relação de luta com todos os homens que compõem o campo social. Como a esfera natural, a esfera social é composta por uma pluralidade de forças antitéticas irredutíveis (Théorie de la propriété, Paris, Lacroix, 1866, p.213: "O mundo moral, como o mundo físico, repousa sobre uma pluralidade de elementos irredutíveis e antagônicos, e é da contradição desses elementos que resulta a vida e o movimento do universo"). Em outras palavras, a guerra é imanente à humanidade; é uma condição de nossa existência. A guerra torna-se o termo genérico para expressar, na esfera da práxis, o movimento dialético do pensamento, a luta, a oposição, o antagonismo. Ela tem um caráter universal (G. P., 28).

Os termos "antinomia", "guerra" e "contradição" expressam a mesma ideia. É uma "contradição" que é de alguma forma "natural" e superior, "uma oposição inerente a todos os elementos" (ibid., 117). Entretanto, para que a "contradição universal" seja realmente frutífera, ela deve gerar "reconciliação universal". Em outra carta ao seu editor, Proudhon especifica: "O antagonismo dos princípios [...] é o fato que serve para estabelecer a necessidade respectiva e recíproca dos princípios; de modo que [...] eles são, por esse mesmo fato, necessários um ao outro, e que sua existência é incompleta para ambos enquanto não forem reconciliados" (Cor., II, 228). No entanto, uma vez que "é da contradição [...] que resulta a vida e o movimento do universo" (Théorie de la propriété, Paris, Lacroix, 1866, p.213), Proudhon se depara com o espinhoso problema de conseguir uma resolução de conflitos sem suprimir o antagonismo, sem cair na armadilha da "sieste éternelle " (G. P., 72).

EQUILÍBRIO COMO SOLUÇÃO PARA A ANTINOMIA

"O fim do antagonismo [...] significaria [...] o fim do mundo", observa Proudhon; no entanto, a "paz" não exclui o antagonismo; significa apenas "o fim do massacre" (G. P., 486). Em outras palavras, a "guerra", no sentido genérico, não deve ser abolida; ela deve ser transformada, o antagonismo então perde de fato seu caráter conflituoso. Essa solução universal se aplica a antinomias naturais, intelectuais e sociais. Entretanto, há uma dissimetria entre a natureza e a sociedade. Enquanto na natureza o equilíbrio das forças naturais ocorre "naturalmente", graças a um processo de autorregulação que o preserva do caos, o equilíbrio das forças em luta na sociedade deve ser estabelecido artificialmente. Como Proudhon explica: "Todas as forças que constituem a sociedade [...] lutam e se destroem mutuamente se o homem, por meio de sua razão, não encontrar os meios para compreendê-las, governá-las e mantê-las em equilíbrio" (Cor., VII, 117). A única responsabilidade pelo equilíbrio social, portanto, é do homem. Ele é o único senhor de seu destino. A solução do problema social depende apenas dele, do uso que ele achar conveniente fazer de sua razão e de sua liberdade, e não de uma força natural que intervenha de fora e determine o curso dos acontecimentos (Justice, IV, 432).

Portanto, "os termos antinômicos não podem ser resolvidos, assim como os polos opostos de uma bateria elétrica não podem ser destruídos. O problema consiste em encontrar não a sua fusão, que seria a sua morte, mas o seu equilíbrio, que é constantemente instável e variável de acordo com o desenvolvimento da sociedade" (Théorie de la propriété, Paris, Lacroix, 1866, p.52). A posição de Proudhon foi muitas vezes mal interpretada; ele foi acusado de renunciar à "resolução das contradições", de não buscar "superá-las" e, portanto, de admitir "sua impotência para superar os antagonismos da sociedade" (Cuvillier, À la lumière du marxisme, I, 181-182, citado por H. de Lubac, em: Proudhon et le christianisme, op. cit., p. 163). Entretanto, é exatamente o contrário que ele tenta fazer. Ele se recusa a reduzir a diversidade, a suprimir uma das partes que lutam pela supremacia. Para ele, a solução não está na resolução ou na fusão, mas em um equilíbrio dinâmico, constantemente suscetível de ser questionado por novos choques, novas oposições (Contr. éco., I, 193).

Esse programa de "reconciliação universal" é definido em oposição à fórmula hegeliana, que, como Proudhon a entende, levaria, ao final de um processo necessário e quase linear, à "fusão" da tese e da antítese em uma síntese. "A antinomia não se resolve por si mesma: essa é a falha fundamental em toda a filosofia hegeliana. Os dois termos que a compõem são equilibrados, seja um com o outro ou com outros termos antinômicos. [...] Mas um equilíbrio não é uma síntese como Hegel a entendia" (ibid.). É precisamente essa noção de equilíbrio que torna o modelo proudhoniano de dialética original. Proudhon, portanto, opta pelo modelo do "equilíbrio" que ele pensava ter descoberto ao ler Kant, para combater a síntese hegeliana.

Um modelo linear de tese-antítese-síntese em que os elementos se seguiriam uns aos outros no tempo, como seria o caso de Hegel, é contrário à sua visão anti-hierárquica. De acordo com Proudhon, todas as forças opostas existem simultaneamente e são igualmente necessárias para o equilíbrio geral (ibid., II, 82). "A partir disso, pode-se ver que, sem contradição, nenhum vínculo de anterioridade ou posterioridade pode ser assumido entre os termos de uma série dialética" (ibid., 199). A irredutibilidade de elementos antitéticos "indica uma relação de igualdade, progressão ou similaridade, não de influência" (Création, 234), uma relação de coordenação e não de subordinação. "A coordenação exclui a hierarquia. Ela determina a igualdade entre as funções [...]. O sistema hierárquico [...], estabelecido sobre o princípio da autoridade [...], da desigualdade universal e permanente, da subjugação progressiva, é a forma das calamidades sociais" (ibid., 433). A ordem dentro da totalidade é uma ordem imanente, o resultado da totalidade das forças em ação. Se uma das forças for prejudicada, o equilíbrio é quebrado. Dependendo da natureza do desequilíbrio assim introduzido, isso pode levar a graves injustiças, como o estabelecimento do despotismo, em que um indivíduo impõe seu poder sobre todos os outros, ou do comunismo, em que a liberdade individual é negada em benefício da comunidade (Princípio Fed., 274-275).

Já em Guerra e Paz, Proudhon chama essa estrutura estatal integrativa, mas não hierárquica, de "federalismo". Nessa obra, ele estabelece uma genealogia da lei em oito estágios, começando com a lei da força e culminando na lei da liberdade, que corresponderia ao estágio do "federalismo", um sistema baseado no "mutualismo". O sistema mutualista, cujo princípio se baseia na obrigação "sinalagmática" (ou seja, recíproca) e comutativa (ou seja, equivalente) de um para com o outro (ibid. 319), dando um papel privilegiado, até mesmo exclusivo, às relações horizontais dentro do tecido social, em oposição às relações verticais, reuniria exatamente as condições para superar a falta de um mecanismo de autorregulação para a resolução de conflitos na sociedade. O resultado da dialética, portanto, não é a simples observação de que há antinomias, diversidades na totalidade social; ela mostra que a única maneira possível de alcançar a "reconciliação universal" na sociedade é o federalismo. Ao enfatizar a responsabilidade do homem na construção criativa da sociedade, Proudhon faz de sua dialética uma dialética da liberdade.

Referência: Antinomia, Federalismo, Razão.

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