antropólogos e anarquismo

Brian Morris (1936-)


APRESENTAÇÃO

Essa é uma tradução livre de um trecho de Anthropology and anarchism, artigo de autoria do inglês Brian Morris, professor emérito de antropologia no Goldsmiths College da Universidade de Londres. O texto foi originalmente publicado em 1998, em Anarchy: a Journal of Desire Armed, número 45.

Raphael Cruz


ANTROPÓLOGOS E ANARQUISMO: RECLUS, BOUGLÉ, MAUSS, RADCLIFFE-BROWN

Muitos antropólogos tiveram afinidades com o anarquismo. Um dos primeiros textos etnográficos foi o livro de Elie Reclus chamado Primitive Folk, publicado em 1903 e que traz o subtítulo “studies in comparative ethnology”. Baseia-se em informações derivadas de relatos de viajantes e missionários, e tem aquele sabor evolucionário dos escritos do final do século XIX, contudo com lucidez e simpatia a povos como os Apache, Nayar, Toda e Inuit. Reclus declara a igualdade moral e intelectual dessas culturas com a dos chamados “estados civilizados”. É interessante que ele tenha usado o agora familiar termo Inuit, que significa “povo”, em vez do termo francês esquimó. Elie Reclus era o irmão mais velho de Elisée, o geógrafo anarquista mais famoso.

Outro antropólogo francês com simpatias anarquistas foi Célestin Bouglé, que escreveu não apenas um estudo clássico do sistema de castas indiano (1908) – que teve profunda influência sobre Louis Dumont – mas também um importante estudo sobre Proudhon. Bougle foi um dos primeiros a afirmar, em 1911, de forma controversa, que Proudhon foi um pensador sociológico de primeira. De fato, havia uma estreita relação entre a tradição sociológica francesa, centrada em Durkheim, e o socialismo e o anarquismo, embora o próprio Durkheim fosse antagônico à ênfase anarquista no indivíduo. Durkheim era uma espécie de socialista de guilda, mas seu sobrinho Marcel Mauss escreveu um estudo clássico, Ensaio sobre a dádiva (1925), que se concentrou na troca recíproca ou de presentes entre culturas pré-alfabetizadas. Este pequeno texto não é apenas de certa forma um tratado anarquista, mas é um dos textos fundamentais da antropologia, lido por todo antropólogo iniciante. Os antropólogos britânicos têm menos ligação com o anarquismo, mas vale a pena notar que um dos chamados “pais” da antropologia britânica, A.R. Radcliffe-Brown foi anarquista em sua juventude.

Alfred Brown era um rapaz de Birmingham, que conseguiu, com a ajuda de seu irmão, chegar à Universidade de Oxford. Lá, duas influências foram importantes para ele. Uma delas foi o filósofo do processo Alfred Whitehead, cuja teoria organísmica teve profunda influência em Radcliffe-Brown. A outra foi Kropotkin, cujos escritos ele assimilou. Em seus dias de estudante em Oxford, Radcliffe-Brown era conhecido como “Anarchy Brown”. Infelizmente, o ambiente ideológico de Oxford falou mais alto. Mais tarde, ele se tornou uma espécie de aristocrata intelectual e mudou seu nome para “AR Radcliffe-Brown”. Mas, como escreveu Tim Ingold (1986), os escritos de Radcliffe-Brown são permeados por uma sensação de que a vida social é um processo, embora, como a maioria dos funcionalistas durkheimianos, ele tendesse a minimizar questões relacionadas a conflito, poder e história.

Brian Morris


Referências

BOUGLÉ, Célestin. La sociologie de Proudhon. Colin, 1911.

INGOLD, Tim. Evolution and social life. Cambridge: Cambridge Univ. Press, 1986.

RECLUS, Élie. Primitive folk: studies in comparative ethnology. Walter Scott, 1891.

MAUSS, Marcel. The gift: the form and reason for exchange in archaic societies. New York: WW Norton, 1925.


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