Durkheim, Weber e o legado oculto da sociologia de Proudhon

Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865)


DURKHEIM, PROUDHON E A FORÇA COLETIVA

Em Princípios de filosofia do progresso (1850-55), Proudhon antecipou uma tese que se tornaria a base da sociologia durkheimiana:

"A força coletiva é, portanto, algo diferente da soma das forças individuais de que é composta: acrescento que na aplicação ela é, em virtude da sua unidade, maior que essa soma" (Proudhon, 1850-55).

Em 1895, é publicado o seminal As regras do método sociológico, de Durkheim. O mesmo afirma nessa obra:

"(...) a sociedade não é uma simples soma de indivíduos; o sistema formado pela associação destes representa uma realidade específica, com as suas características próprias" (Durkheim, 2005).

Dois anos depois, Durkheim publica O suicídio, primeiro trabalho empírico do autor, no qual aplica as regras de pesquisa sociológica estabelecidas na sua obra anterior.

A expressão "força coletiva" aparece sei vezes em O suicídio, e outra francamente proudhoniana, "consciência coletiva", é utilizada uma vez (Durkheim, 2005).

Um eminente durkheimiano, e contemporâneo do seu mestre, Céléstin Bouglé (1910) afirmou:

"O que chamamos de teorias sociológicas? As que têm em comum este postulado: da reunião das unidades individuais resulta uma realidade original, algo mais e algo diferente da sua simples soma" (Bouglé, 1910). [1]

E concluiu:

"Ora, talvez nenhum pensador tenha usado esse postulado de forma mais ampla do que Proudhon. As teorias propriamente sociológicas constituem o verdadeiro centro do seu sistema" (Bouglé, 1910).

WEBER, PROUDHON E A RELAÇÃO ENTRE IDEOLOGIA E ECONOMIA

Antes de Weber perceber a afinidade entre a ética protestante e o espírito do capitalismo (1904), Proudhon já havia sugerido a relação entre sistema de crenças e sistema econômico.

Em A justiça na revolução e na igreja (1859), o francês notou que mitos e crenças correspondem ao regime de propriedade e atuam na sua defesa.

Nesta obra, ele pergunta-se sobre o significado social do cristianismo de meados do século XIX, momento histórico em que se enfrentam capital e trabalho, burguesia e proletariado (Ansart, 1971).

Para Proudhon, a religião se origina e se realiza na sociedade. O cristianismo de meados do século XIX, se converteu numa ideologia da sociedade desigual (Ansart, 1971).

Ao sustentar a supremacia de um poder absoluto, transcendente ao humano, a religião expressa as relações de subordinação social e política. O que a tornou, naquele período, uma opositora do movimento revolucionário (Ansart, 1971).

Pode-se perceber que o rendimento teórico da sociologia proudhoniana é proporcional ao seu desconhecimento. O humilde trabalhador francês antecipou, à sua maneira, ideias chaves de Durkheim e Weber, mas ficando de fora do cânone da sociologia, seu legado permanece oculto.

Raphael Cruz


Notas

[1] O próprio Durkheim reconhece aquele postulado como o que torna possível a ciência social. Sobre a obra Bau und Leben des sozialen Körpers, de Albert Schaffle, publicada em 1896, Durkheim comenta que: "Schaffle começa, é verdade, por colocar em princípio que a sociedade não é uma mera coleção de indivíduos, mas um ser que tem sua vida, sua consciência, seus interesses e sua história. Aliás, essa ideia, sem a qual não existe ciência social, sempre esteve muito viva na Alemanha, só tendo sido eclipsada durante um curto período em que o individualismo kantiano reinou sem restrições (Durkheim, [1887] 2001, p. 55).

Referências

ANSART, Pierre. Sociología de Proudhon. Buenos Aires: Editorial Proyección. 1971.

BOUGLÉ, Célestin. Proudhon sociologue. Revue de Métaphysique et de Morale, v. 18, n. 5, p. 614-648, 1910.

DURKHEIM, Emile. Aula inaugural do curso de ciências sociais (Bordeaux, 1887). In: DE CASTRO, Ana Maria; DIAS, Edmundo Fernandes. Introdução ao pensamento sociológico: Durkheim, Weber, Marx, Parsons. São Paulo: Centauro, 2001.

DURKHEIM, Emile. As regras do método sociológico. Martin Claret, 2003.

DURKHEIM, Emile. Suicide: A study in sociology. Routledge, 2005.

PROUDHON, Pierre-Joseph. The principles of the philosophy of progress. Disponível em: https://theanarchistlibrary.org/library/pierre-joseph-proudhon-principles-of-the-philosophy-of-progress. Acesso em 31 dez 2022.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.


Comentários

Postagens mais visitadas