O juízo estético de um artista


Vênus de Willendorf esculpida entre 28.000
e 25.000 anos antes de Cristo

Tenho usado a biblioteca de um centro cultural para estudar.

Esta semana, um homem, vou chamá-lo José, organizou uma exposição de pinturas e desenhos no espaço em frente a biblioteca.

Devido a sua aparência, acho que José é da Geração X e poderia ser pai de um millenial como eu.

Ao ouvi-lo conversar com um funcionário do lugar, fico sabendo ser ele artista. Porém, dedicado a organizar a exposição, sem tempo ficou para mostrar a sua arte.

José, então, comenta sobre um dos quadros que aquele funcionário, de idade próxima à minha, olha atentamente.

Trata-se do trabalho que mais gostei na exposição. São desenhos de uma mulher negra e gorda, e de outra com uma deficiência nas suas pernas.

Os desenhos são em tons de azul e púrpura claros em fundos brancos. E estão reunidos como se formassem uma colagem.

Admiro os traços leves, precisos e a sensação de paz que trazem. Pois, as mulheres representadas estão a vontade consigo mesmas.

Enquanto o funcionário olha a obra, José tece o seguinte comentário: "não gosto de coisa feia, faz parte da evolução admirar coisas bonitas. Esse trabalho é de uma das artistas da associação. Não gosto de olhar coisa feia, mas tem quem goste".

Tenho a impressão que José desaprovou a obra pela escolha das figuras a ser representadas.

Por meio do seu julgamento, José fez-me rever a minha fantasia do pintor como alguém que percebe a beleza como relativa e encontrável em diferentes lugares.

José tem outro critério para o belo.

Vivendo em sociedade tão discriminadora como a brasileira, não evito pensar a sua reprovação como dirigida a etnia, a gordura e a deficiência. Características não estetizáveis por qualquer artista, na perspetiva de José.

O seu julgamento causou-me incômodo por sua naturalidade em expô-lo. E por tentar que o funcionário o respaldasse. Algo que não ocorreu, mas de forma bastante cordial. 

O funcionário apenas falou ser a ilustração um tipo de montagem, mudando o foco da forma das personagens para a forma da obra. 

O caso de José, fez-me pensar sobre a mudança de juízo estético entre as gerações. E como o artista, às vezes tido pela sociedade como excêntrico, pode admirar o padrão estético hegemônico, enxergando o belo apenas nele.

Raphael Cruz


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