O bom diabo na literatura de cordel

 

Cordel clássico de Leandro de Barros

Em O bom diabo na literarura de cordel (2019), Renata Siuda-Ambroziak chama atenção para a representação do diabo pelos poetas populares do Nordeste brasileiro.

Em suas 18 páginas, a autora se apoia em fragmentos de 9 cordéis para identificar o que nomeou de o "bom diabo". 

É curioso notar como nesta região marcada pelo catolicismo oficial e popular, o diabo aparece nos cordéis como amigo dos homens e companheiro em tempos de desgraça.

Como exemplo, a autora cita o folheto A peleja de Manoel Riachão com o diabo, de Leandro Gomes de Barros. O diabo é descrito num primeiro momento como grotesco para logo depois ser caracterizado como bom.

No folheto, O homem que falou com o diabo em Juazeiro, de João de Cristo Rei, o diabo se autorrepresenta como poderoso e maldoso, mas o poeta o descreve como misericordioso e humanitário.

Entretanto, o artigo de Siuda-Ambroziak carece de uma periodização histórica dessa imagem do "bom diabo". 

O leitor é levado a acreditar que essa é uma característica estrutural do simbolismo cordelista. 

Contudo, fiquei na dúvida se ela não teria variado no tempo e entre os estados de origem dos escritores.

A autora conclui que a figura do diabo na literatura de cordel não obedece à caracterização unilateral de personificação do mal como na tradição judaico-cristã.

Ela argumenta, que isso se deve a outras influências culturais que formaram o catolicismo popular nordestino.

Contudo, a mais importante conclusão é o valor educativo das narrativas populares sobre o diabo.

Segundo a autora, existe uma "pedagogia do temor" nesses cordéis.

O objetivo das histórias sobre o diabo não é tanto o benefício de um pacto satânico, mas convencer o descrente a aceitar a fé cristã e o motivar a voltar à Igreja. 

Assim, mesmo com essa imagem do "bom diabo", a literatura de cordel contribui para a socialização de valores e crenças cristãs. 

O companheirismo satânico não é apologia de Lúcifer, mas convite ao rebanho do Senhor. 

Raphael Cruz


Referência

SIUDA-AMBROZIAK, Renata. O bom diabo na literarura de cordel. Fênix-Revista de História e Estudos Culturais, v. 16, n. 1, p. 1-18, 2019.

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