Proudhon na Pedra do Sal

 



Hoje, li uma interessante passagem de O que é a propriedade (1840), livro de Pierre-Joseph Proudhon.

Nela, o autor disserta sobre o princípio de que a propriedade dos produtos (colheita, caça, pescado) não deveria implicar em propriedade da matéria (terra e mar).

Diz o pensador que "o direito ao produto é exclusivo, jus in re; o direito ao instrumento [matéria] é comum, jus ad rem". (PROUDHON, 1975, p. 95).

O raciocínio é simples e brilhante. O fato do pescador retirar peixes do mar não o torna proprietário do mar. 

Então, porque a colheita de uma safra numa determinada semana torna alguém dono da terra para "sempre"?

Ainda mais absurdo para Proudhon é alguém ser proprietário de terra que não cultiva.

A transformação da posse em propriedade não se dá pelo trabalho, alerta Proudhon, pois se assim fosse, ao deixar de cultivar à terra, já não seria o seu dono. Contudo, existem aqueles que não cultivam, mas são proprietários. 

Essa metamorfose ocorre, segundo Proudhon, pela prescrição, pela lei civil em concordância com o princípio de ocupação.

Afinal de contas, o que tem a ver a Pedra do Sal com tudo isso? 

Em minha tese Os filhos do lugar: crônicas da territorialidade pedral, escrevi que naquele povoado à beira-mar os seus habitantes exercem a posse familiar do terreno (casa, sitio) e o uso comum da terra (mata, mangue, praia).

Naquele texto, não dissertei o suficiente sobre o uso do mar entre os pescadores locais. 

Contudo, lendo Proudhon e pensando na territorialidade pedral, identifico uma completa correspondência entre os princípios proudhonianos e a lógica da apropriação dos produtos do trabalho no mar e na terra por aquela gente.

Para os moradores do lugar que entrevistei, à terra não tem dono, é da natureza. 

Da mesma forma que pescar não torna o pescador proprietário do mar, colher cajuí não torna o extrativista dono da mata (jus ad rem). 

Entretanto, o peixe pescado e o cajuí colhido são exclusivos de quem os extraiu (jus in re). 

A lógica que rege o uso comum da terra, do mar e a apropriação exclusiva dos produtos do trabalho nesses ambientes pelos moradores da Pedra do Sal é a mesma do princípio proudhoniano de que a propriedade dos produtos (peixe e cajuí) não implica a propriedade das matérias (mar e terra). 

Interessante foi perceber nessa leitura de Proudhon durante um domingo nublado em Teresina que os princípios de justiça social que o anarquista francês elaborou muito em comum tem com as relações de propriedade e manejo dos recursos naturais pelo povo do litoral piauiense. 

Raphael Cruz

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Publicado originalmente em Terra Terreno.

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