As guerras da antropologia

Ruth Benedict (1887-1948)


A antropologia serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra?

Existe um manual de contra-insurgência elaborado pelo estrategista Nathan Finney com a colaboração de antropólogos e utilizado nas ações do exército americano no Oriente Médio.

O manual se chama Human Terrain Team Handbook (2008) e vazou para o público há alguns anos via Wikileaks.

Através do documento é possível analisar a aplicação da antropologia na ocupação americana do Afeganistão e do Iraque.

Mas antes mesmo desse manual, os antropólogos culturais como Margareth Mead e Ruth Benedict já haviam participado dos "esforços de guerra" dos EUA.

Os estudos de “culture and personality”, como O crisântemo e a espada (1946), de Benedict, sobre a cultura do povo japonês, foram incorporados a máquina dos Aliados na II Guerra Mundial.

Naquela época, pelo menos, poderia argumentar-se que estavam combatendo o nazismo.

Antes mesmo disso, Malinowski, no prefácio ou apresentação de Crime e costume na sociedade selvagem (1926), falava do auxílio da antropologia no processo de dominação política e econômica dos “povos selvagens”.

Listo esses exemplos para demarcar certos aspectos da história da disciplina frente à romantização e encantamento acrítico, que, às vezes, percebo, na fala das pessoas sobre o que é a antropologia e o que é ser antropólogo.

Não se trata de condenar a antropologia como imperialista, existem importantes estudos no passado recente da disciplina com coloração anti-imperialista, como Europa e os povos sem história de Eric Wolf, além das mais recentes contribuições produzidas pela fertilização cruzada entre antropologia e pensamento decolonial. 

Contudo, refletir sobre como as classes dominantes em determinados contextos instrumentalizaram a disciplina para atender seus interesses econômicos e geopolíticos, faz parte dos esforços de preservar a criticidade frente aos interesses da máquina de guerra do Estado e do capital.

Quanto ao manual de contra-insurgência elaborado com a ajuda de antropólogos, ele foi contestado pela American Anthropological Association por ferir o Código Disciplinar de Ética, pois o material faz parte do setor de espionagem do Departamento da Defesa, ficando, assim, não sujeito a revisão externa, o que o qualificou como não sendo um “exercício legítimo de antropologia profissional”. 

Raphael Cruz

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