520 anos de contrarrevolução e transresistência
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Apresentação
Este texto foi originalmente pulicado no boletim Ideias Perigosas, de outubro de 2020, da editora Terra sem Amos.
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520 ANOS DE CONTRARREVOLUÇÃO E TRANSRESISTÊNCIA
E se o que chamamos de “Brasil” não fosse um “país”, mas um longo processo de contrarrevolução? Ou ainda uma contrarrevolução permanente que se cristalizou em forma de país. De modo que a sua história seria a história do aniquilamento cultural, político e militar das revoltas populares pelos agentes da dominação. Uma máquina de combate do tipo Hidra forjada na supressão das instituições e das subjetividades insurgentes.
Ao aniquilar, mas também ao cooptar o revoltado, os agentes dessa Hidra produziram um saber e um poder capazes de administrar a vida social, prevenir o motim, instalar a dominação no corpo e na alma. Mediante guerras, massacres e chacinas contra os civis, mas também a partir de uma educação para a obediência, a Hidra buscou fechar as brechas de autonomia popular e desacreditar as esperanças de uma vida melhor. Penso no assassinato de Mandu Ladino, na Balaiada, nos Malês, em Canudos e Contestado, nas Ligas Camponesas e na guerrilha do Araguaia, entre outros. É longa a lista de derrotas militares e políticas infligidas ao povo pela Hidra colonial, imperial, republicana, católica ou protestante, liberal, conservadora ou social-democrata, estatal e capitalista.
Essa contrarrevolução permanente foi elaborando o seu próprio Estado e o seu próprio capitalismo à medida que suprimia a vontade de autonomia do subalternizado, daqueles que buscaram criar bem-estar e liberdade contra o jugo do mando e da obediência. A Hidra organizou, a sua maneira, estratégias para impedir a democratização do poder, a socialização da economia, poderia nos dizer o bom Florestan Fernandes. Penso que seria importante reconstruir a história dessa contrarrevolução permanente, compreender como a Hidra infligiu derrotas a projetos populares revolucionários nos últimos 520 anos, identificar as táticas que proporcionaram consolidar uma democracia autocrática e um capitalismo dependente. Isso poderia ser sintetizado numa pergunta: como a Hidra vence os seus inimigos? Seria uma “história vista de baixo” sobre o que os seus agentes fazem “lá em cima”.
Florestan nos lembrou de que a atual cabeça burguesa da Hidra é bastante dividida e possui as suas frações arengueiras, mas soube construir alianças oportunistas quando os de baixo procuraram ir além do que permitia os cabrestos da colaboração, da cooptação e da tutela. É bem provável que uma Internacional Capitalista tenha antecedido a Internacional dos Trabalhadores.
O bom e sábio Bakunin indagava porque a minoritária burguesia vencia os trabalhadores numericamente maiores. Ele encontrou na qualidade a resposta para esse dilema que não se explicava pela quantidade. Para ele, o segredo da vitória da cabeça burguesa da Hidra estava na sua organização. É porque forjara um modelo de unidade, de prática de alianças, que a burguesia atinge uma sinergia que habilita a vencer os numerosos trabalhadores. Não foi por outro motivo que Bakunin somou esforços na construção dessa importante instituição popular que foi a Associação Internacional dos Trabalhadores, capaz de criar unidade econômica entre os oprimidos do mundo. Desde então, a subjetividade proletária não foi a mesma. Ela ecoou mundo afora e proporcionou os anseios de “one big union” dos wobblies.
O sábio Sun Tzu disse, “conheces o teu inimigo e conhece-te a ti mesmo”. Ao lado do conhecimento da contrarrevolução permanente seria necessário um conhecimento sobre as formas de resistir a Hidra ao longo do tempo. Poderíamos chegar a uma espécie de transresistência a partir da reconstrução de subjetividades e instituições ladinas, balaias, malês, camponesas e operárias, ponto de partida para pensar outra vida, outro mundo.
Raphael Cruz
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